quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A falsa dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção agropecuária

Artigo que acabou de ser publicado na Revista Biota Neotropica pelos renomados cientistas brasileiros, Luiz Antonio Martinelli, Carlos Alfredo Joly e Carlos Afonso Nobre e Gerd Sparovek, da USP, UNICAMP e INPE mais uma vez oferecem base científica consistente para a manutenção da principal legislação ambiental brasileira, o Código Florestal. Contra os fracos argumentos defendidos por deputados federais vinculados a imensa bancada ruralista, financiada pelo agronegócio e suas corporações transnacionais, o artigo mostra através da análise de dados censitários sobre uso da terra no Brasil que a possível dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção de alimentos na realidade não existe.

Os autores demonstram que o Brasil já tem uma área desprovida de vegetação natural suficientemente grande para acomodar a expansão da produção agrícola. Demonstra também que a maior expansão se dá nas áreas ocupadas pelas chamadas culturas de exportação – soja e cana-de-açúcar – e não propriamente nas áreas ocupadas por arroz, feijão e mandioca, que são consumidos de forma direta pelo mercado nacional. Pelo contrário, a área colhida de arroz e feijão tem inclusive decrescido nas últimas décadas, enquanto a área colhida de mandioca encontra-se praticamente constante há quatro décadas. Os maiores entraves para a produção de alimentos no Brasil não se devem a restrições supostamente impostas pelo Código Florestal, mas, sim, à enorme desigualdade na distribuição de terras, a restrição de crédito agrícola ao agricultor que produz alimentos de consumo direto, a falta de assistência técnica que o ajude a aumentar a sua produtividade, a falta de investimentos em infraestrutura para armazenamento e escoamento da produção agrícola, a restrições de financiamento e priorização do desenvolvimento e tecnologia que permita um aumento expressivo na lotação de nossas pastagens.

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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O mito da sustentabilidade

O mito da sustentabilidade na exploração de recursos naturais no Brasil

Pesquisador da UFRJ revela que 75% das atividades sustentáveis sãomarcadas pelo esgotamento dos bens
João Campos - Da Secretaria de Comunicação da UnB

O uso sustentável dos recursos naturais no Brasil, amplamente divulgado por órgãos do governo e empresas privadas, é uma falácia. Estudo do pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernando Fernandez analisou 227 casos de exploração de bens renováveis – como a extração de madeira, a caça e o uso de plantas – no país. Em três quartos dos casos, a atividade que, por lei, deveria prezar pela sustentabilidade acaba marcada pelo esgotamento gradual dos recursos. A pesquisa do biólogo foi apresentada nesta terça-feira, 30 denovembro, na Faculdade de Tecnologia e no Instituto de Biologia da UnB.

O Relatório Brundtland, elaborado por especialistas em meio ambiente de diversos países em 1987, define o conceito de desenvolvimento sustentável como aquele “que procura satisfazer as necessidades das populações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”. O documento serviu de base para pesquisa de Fernando. O professor do Instituto de Ciência Biológicas (IB) Roberto Cavalcanti destaca que a vinda de Fernando chama a atenção para a falta de métodos para estabelecer parâmetros de sustentabilidade na exploraçãode recursos naturais.

Além da manutenção da quantidade original das espécies exploradas, o especialista destaca outras ferramentas como, por exemplo, níveis de segurança para o uso dos bens naturais e a definição de áreas específicas para exploração (sistema de mosaico). "É a falta de critérios e de vontade para estabelecê-los que leva ao uso inadequado do termo sustentabilidade". Os casos analisados pelo professor e sua equipe de colaboradores foram retirados de 64 dissertações e teses de diversas instituições de ensino superior do país e de relatórios de organizações não-governamentais (ONGs) no período entre 1987 e 2009. Segundo oespecialista, em 47 casos o fator “demográfico” do recurso sequer foi levado em consideração. “Entendemos que a reposição do bem explorado é a base para o uso sustentável. Por isso focamos os 180 casos que consideraram esse ponto”. As estatísticas apontam a caça como a atividade mais ameaçadora para sustentabilidade dos recursos. Dos 72 casos analisados, 62 – o equivalente a 86% – apresentaram o esgotamento dos animais explorados. “Esse desastre deve-se, principalmente, ao uso de armas de fogo pelas comunidades tradicionais (como os indígenas) e à falta de políticas públicas para manutenção dos recursos em Unidades de Conservação que permitem a exploração sustentável da natureza”, avalia Fernando.

O ranking do mito da sustentabilidade traz em segundo lugar a exploração madeireira. Dos 34 casos analisados, principalmente na região da Amazônia, 29, equivalente a 85% não são sustentáveis. “O termo sustentabilidade é uma palavra perigosa e vem sendo usado de forma equivocada”, alerta o convidado do Departamento de Engenharia Florestal. “Como classificar de sustentável atividades amplamente marcadas pelo esgotamento dos recursos explorados?”, questiona Fernandez.

CASTANHA-DO-PARÁ – Fernandez, que também é doutor em Ecologia pelaUniversidade de Durham, na Inglaterra, cita o exemplo da exploração dacastanha-do-pará no Brasil. “A análise em 22 localidades da Amazôniaaponta que não há exemplares jovens para repor as árvores exploradasatualmente”, afirma o pesquisador, com base em estudo realizado pelobiólogo Carlos Peres. A presença de árvores jovens em áreas nãoexploradas chega aos 76%. Já em áreas afetadas pelo homem, não passados 1,6%.

Outro exemplo é a extração madeireira de baixo impacto na Fazenda Rio Capim, no município de Paragominas (PA). A análise em nove áreas de um hectare revelou que apenas metade do estoque explorado poderia ser reposto em um período de 30 anos (ciclo permitido por lei para a retirada de árvores). “O mesmo estudo mostra que áreas de clareiras abertas na mata triplicam após a exploração do recurso”, observa Fernando, que conta com o apoio da Fundação O Boticário para realizar a pesquisa.

CIÊNCIA – O especialista carioca ressalta que a sustentabilidade é uma questão técnico-científica. No entanto, denuncia que a ciência só entra na busca pelo desenvolvimento sustentável depois da exploraçãodos recursos, ou seja, quando o pior já ocorreu. Segundo ele, para reverter esse quadro é preciso incluir a ciência no processo antes da exploração do recurso. “A sustentabilidade, hoje apresentada de forma enganosa, é possível. Mas é preciso criar mecanismos para que ela ocorra”.