domingo, 13 de maio de 2012

13 Razões para o Veto Total ao PL 1876/99 do Código Florestal



Texto de André Lima, Raul Telles do Valle e Tasso Azevedo (*)reflete exame minucioso do Projeto de Lei 1876/99, revisado pela Câmara dos Deputados na semana passada, à luz dos compromissos da Presidenta Dilma Rousseff assumidos em sua campanha nas eleições de 2010

Para cumprir seu compromisso de campanha e não permitir incentivos a mais desmatamentos, redução de área de preservação e anistia a crimes ambientais, a Presidenta Dilma terá que reverter ou recuperar, no mínimo, os dispositivos identificados abaixo. No entanto, a maioria dos dispositivos são irreversíveis ou irrecuperáveis por meio de veto parcial.

A hipótese de vetos pontuais a alguns ou mesmo a todos os dispositivos aqui comentados, além de não resolver os problemas centrais colocados por cada dispositivo (aprovado ou rejeitado), terá como efeito a entrada em vigor de uma legislação despida de clareza, de objetivos, de razoabilidade, de proporcionalidade e de justiça social. Vulnerável, pois, ao provável questionamento de sua constitucionalidade. Além disso, deixará um vazio de proteção em temas sensíveis como as veredas na região de cerrado e os mangues.

Para preencher os vazios fala-se da alternativa de uma Medida Provisória concomitante com a mensagem de veto parcial. Porém esta não é uma solução, pois devolve à bancada ruralista e à base rebelde na Câmara dos Deputados o poder final de decidir novamente sobre a mesma matéria. A Câmara dos Deputados infelizmente já demonstrou por duas vezes - em menos de um ano - não ter compromisso e responsabilidade para com o código florestal. Partidos da base do governo como o PSD, PR, PP, PTB, PDT capitaneados pelo PMDB, elegeram o código florestal como a “questão de honra” para derrotar politicamente o governo por razões exóticas à matéria.

Seja por não atender ao interesse público nacional por uma legislação que salvaguarde o equilíbrio ecológico, o uso sustentável dos recursos naturais e a justiça social, seja por ferir frontalmente os princípios do desenvolvimento sustentável, da função social da propriedade rural, da precaução, do interesse público, da razoabilidade e proporcionalidade, da isonomia e da proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais, o texto aprovado na Câmara dos Deputados merece ser vetado na íntegra pela Presidenta da República.

Ato contínuo deve ser constituído uma força tarefa para elaborar uma proposta de Política Florestal ampla para o Brasil a ser apresentada no Senado Federal e que substitua o atual código florestal elevando o grau de conservação das florestas e ampliando de forma decisiva as oportunidades para aqueles que desejam fazer prosperar no Brasil uma atividade rural sustentável que nos dê orgulho não só do que produzimos, mas da forma como produzimos.

Enquanto esta nova lei é criada, é plenamente possível por meio da legislação vigente e de regulamentos (decretos e resoluções do CONAMA) o estabelecimento de mecanismos de viabilizem a regularização ambiental e a atividade agropecuária, principalmente dos pequenos produtores rurais.
13 razões para o Veto Total

1. Supressão do artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que estabelecia os princípios jurídicos de interpretação da lei que lhe garantia a essência ambiental no caso de controvérsias judiciais ou administrativas. Sem esse dispositivo, e considerando-se todos os demais problemas abaixo elencado neste texto, fica explícito que o propósito da lei é simplesmente consolidar atividades agropecuárias ilegais em áreas ambientalmente sensíveis, ou seja, uma lei de anistia florestal. Não há como sanar a supressão desses princípios pelo veto.

2. Utilização de conceito incerto e genérico de pousio e supressão do conceito de áreas abandonadas e subutilizadas. Ao definir pousio como período de não cultivo (em tese para descanso do solo) sem limite de tempo (Art. 3 inciso XI), o projeto permitirá novos desmatamentos em áreas de preservação (encostas, nascentes etc.) sob a alegação de que uma floresta em regeneração (por vezes há 10 anos ou mais) é, na verdade, uma área agrícola “em descanso”. Associado ao fato de que o conceito de áreas abandonadas ou subutilizadas, previsto tanto na legislação hoje em vigor como no texto do Senado, foi deliberadamente suprimido, teremos um duro golpe na democratização do acesso e da terra, pois áreas mal-utilizadas, possuídas apenas para fins especulativos, serão do dia para a noite terras “produtivas em descanso”. Essa brecha enorme para novos desmatamentos não pode ser resolvida com veto.

3. Dispensa de proteção de 50 metros no entorno de veredas (inciso XI do ART. 4º ART). Isso significa a consolidação de ocupações ilegalmente feitas nessas áreas como também novos desmatamentos no entorno das veredas hoje protegidas. Pelo texto aprovado, embora as veredas continuem sendo consideradas área de preservação, elas estarão na prática desprotegidas, pois seu entorno imediato estará sujeito a desmatamento, assoreamento e possivelmente a contaminação com agroquímicos. Sendo as veredas uma das principais fontes de água do Cerrado, o prejuízo é enorme, e não é sanável pelo veto presidencial.

4. Desproteção às áreas úmidas brasileiras. Com a mudança na forma de cálculo das áreas de preservação ao longo dos rios (art.4o), o projeto deixa desprotegidos, segundo cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), 400 mil km2 de várzeas e igapós. Isso permitirá que esses ecossistemas riquíssimos possam ser ocupados por atividades agropecuárias intensivas, afetando não só a biodiversidade como a sobrevivência de centenas de milhares de famílias que delas fazem uso sustentável.

5. Aumento das possibilidades legais de novos desmatamentos em APP - O novo texto (no §6º do Art4o) autoriza novos desmatamentos indiscriminadamente em APP para implantação de projetos de aquicultura em propriedades com até 15 mólulos fiscais (na Amazônia, propriedades com até 1500ha – na Mata Atlântica propriedades com mais de mil hectares) e altera a definição das áreas de topo de morro reduzindo significativamente a sua área de aplicação (art.4º, IX). Em nenhum dos dois casos o Veto pode reverter o estrago que a nova Lei irá causar, ampliando as áreas de desmatamento em áreas sensíveis.

6. Ampliação de forma ampla e indiscriminada do desmatamento e ocupação nos manguezais ao separar os Apicuns e Salgados do conceito de manguezal e ao delegar o poder de ampliar e legalizar ocupações nesses espaços aos Zoneamentos Estaduais, sem qualquer restrição objetiva (§§ 5º e 6º do art. 12). Os estados terão amplos poderes para legalizar e liberar novas ocupações nessas áreas. Resultado – enorme risco de significativa perda de área de manguezais que são cruciais para conservação da biodiversiadade e produção marinha na zona costeira. Não tem com resgatar pelo Veto as condições objetivas para ocupação parcial desses espaços tão pouco o conceito de manguezal que inclui apicuns e salgados.

7. Permite que a reserva legal na Amazônia seja diminuída mesmo para desmatamentos futuros, ao não estabelecer, no art. 14, um limite temporal para que o Zoneamento Ecológico Econômico autorize a redução de 80% para 50% do imóvel. A lei atual já traz essa deficiência, que incentiva que desmatamentos ilegais sejam feitos na expectativa de que zoneamentos futuros venham legaliza-los, e o projeto não resolve o problema.

8. Dispensa de recomposição de APPs. O texto revisado pela Câmara ressuscita a emenda 164 (aprovada na primeira votação na Câmara dos Deputados, contra a orientação do governo) que consolida todas as ocupações agropecuárias existentes às margens dos rios, algo que a ciência brasileira vem reiteradamente dizendo ser um equívoco gigantesco. Apesar de prever a obrigatoriedade de recomposição mínima de 15 metros para rios inferiores a 10 metros de largura, fica em aberto a obrigatoriedade de recomposição de APPs de rios maiores, o que gera não só um possível paradoxo (só partes dos rios seriam protegidas), como abre uma lacuna jurídica imensa, a qual só poderá ser resolvida por via judicial, aumentando a tão indesejada inseguranç a jurídica.

O fim da obrigação de recuperação do dano ambiental promovida pelo projeto condenará mais de 70% das bacias hidrográficas da Mata Atlântica, as quais já tem mais de 85% de sua vegetação nativa desmatada. Ademais, embora a alegação seja legalizar áreas que já estavam “em produção” antes de supostas mudanças nos limites legais, o projeto anistia todos os desmatamentos feitos até 2008, quando a última modificação legal foi em 1986. Mistura-se, portanto, os que agiram de acordo com a lei da época com os que deliberadamente desmataram áreas protegidas apostando na impunidade (que o projeto visa garantir).

Cria-se, assim, uma situação anti-isonômica, tanto por não fazer qualquer distinção entre pequenos e grandes proprietários em situação irregular, como por beneficiar aqueles que desmataram ilegalmente em detrimento dos proprietários que o fizeram de forma legal ou mantiveram suas APPs conservadas. É flagrante, portanto, a falta de razoabilidade e proporcionalidade da norma contida no artigo 62, e um retrocesso monumental na proteção de nossas fontes de água.

9. Consolidação de pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros (art. 64) o que representa um grave problema ambiental principalmente na região sudeste do País pela instabilidade das áreas (áreas de risco), inadequação e improdutividade dessas atividades nesses espaços. No entanto, o veto pontual a esse dispositivo inviabilizará atividades menos impactantes com espécies arbóreas perenes (café, maçã dentre outras) em pequenas propriedades rurais, hipóteses em que houve algum consenso no debate no Senado. O Veto parcial resolve o problema ambiental das encostas no entanto não resolve o problema dos pequenos produtores.

10. Ausência de mecanismos que induzam a regularização ambiental e privilegiem o produtor que preserva em relação ao que degrada os recursos naturais. O projeto revisado pela Câmara suprimiu o art. 78 do Senado, que vedava o acesso ao crédito rural aos proprietários de imóveis rurais não inscritos no Cadastro Ambiental Rural - CAR após 5 anos da publicação da Lei. Retirou também a regra que vedava o direcionamento de subsídios econômicos a produtores que tenham efetuado desmatamentos ilegais posteriores a julho de 2008. Com isso, não só não haverá instrumentos que induzam a adesão aos Programas de Regularização Ambiental, como fica institucionalizado o incentivo perverso, que premia quem descumpre deliberadamente a lei.

Propriedades com novos desmatamentos ilegais poderão aderir ao CAR e demandar incentivos para recomposição futura. Somando-se ao fato de que foi retirada a obrigatoriedade de publicidade dos dados do CAR, este perde muito de seu sentido. Um dos únicos aspectos positivos de todo projeto foi mutilado. Essa lacuna não é sanável pelo veto. A lei perde um dos poucos ganhos potenciais para a governança ambiental.

11. Permite que imóveis de até 4 módulos fiscais não precisem recuperar sua reserva legal (art.68), abrindo brechas para uma isenção quase generalizada. Embora os defensores do projeto argumentem que esse dispositivo é para permitir a sobrevivência de pequenos agricultores, que não poderiam abrir mão de áreas produtivas para manter a reserva, o texto não traz essa flexibilização apenas aos agricultores familiares, como seria lógico e foi defendido ao longo do processo legislativo por organizações socioambientalistas e camponesas.

Com isso, permite que mesmo proprietários que tenham vários imóveis menores de 4 MF - e, portanto, tenham terra mais que suficiente para sua sobrevivência - possam se isentar da recuperação da RL. Ademais, abre brechas para que imóveis maiores do que esse tamanho, mas com matrículas desmembradas, se beneficiem dessa isenção. Essa isenção fará com que mais de 90% dos imóveis do país sejam dispensados de recuperar suas reservas legais e jogaria uma pá de cal no objetivo de recuperação da Mata Atlântica, pois, segundo dados do Ipea, 67% do passivo de reserva legal está em áreas com até 4 módulos.

12. Cria abertura para discussões judiciais infindáveis sobre a necessidade de recuperação da RL (art.69). A pretexto de deixar claro que aqueles que respeitaram a área de reserva legal de acordo com as regras vigentes à época estão regulares, ou seja, não precisam recuperar áreas caso ela tenha sido aumentada posteriormente (como ocorreu em áreas de floresta na Amazônia, em 1996), o projeto diz simplesmente que não será necessário nenhuma recuperação, e permite que a comprovação da legalidade da ocupação sejam com “descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade”.Ou seja, com simples declarações o proprietári o poderá se ver livre da RL, sem ter que comprovar com autorizações emitidas ou imagens de satélite que a área efetivamente havia sido legalmente desmatada.

13. Desmonte do sistema de controle da exploração de florestas nativas e transporte de madeira no País. O texto do PL aprovado permite manejo da reserva legal para exploração florestal sem aprovação de plano de manejo (que equivale ao licenciamento obrigatório para áreas que não estão em reserva legal), desmonta o sistema de controle de origem de produtos florestais (DOF – Documento de Origem Florestal) ao permitir que vários sistemas coexistam sem integração. A Câmara rejeitou o parágrafo 5º do art. 36 do Senado o que significa a dispensa de obrigação de integração dos sistemas estaduais com o sistema federal (DOF). Como a competência por autorização para exploração florestal é dos estados (no caso de propriedades privadas rur ais e unidades de conservação estaduais) o governo federal perde completamente a governança sobre o tráfico de madeira extraída ilegalmente (inclusive dentro de Unidades de conservação federais e terras indígenas) e de outros produtos florestais no País. Essa lacuna não é sanável pelo veto presidencial.

Há ainda outros pontos problemáticos no texto aprovado confirmado pela Câmara cujo veto é fundamental e que demonstram a inconsistência do texto legal, que se não for vetado por completo resultará numa colcha de retalhos.

A todos estes pontos se somam os vícios de origem insanáveis deste PL como é o caso da definição injustificável da data de 22 de julho de 2008 como marco zero para consolidação e anistia de todas irregularidades cometidas contra o código florestal em vigor desde 1965. Mesmo que fosse levado em conta a última alteração em regras de proteção do código florestal esta data não poderia ser posterior a 2001, isso sendo muito generoso, pois a última alteração em regras de APP foi realizada em 1989.

Por essas razões não vemos alternativa sensata à Presidente da República se não o Veto integral ao PL 1876/99.

* André Lima – Advogado, mestre em Política e Gestão Ambiental pela UnB, Assessor de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica e Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade; Raul Telles do Valle – Advogado, mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Coordenador Adjunto do Instituto Socioambiental; e Tasso Azevedo – Eng. Florestal, Consultor e Empreendedor Sociambiental, Ex-Diretor Geral do Serviço Florestal Brasileiro. 

OAB-RJ aponta inconstitucionalidades no novo Código Florestal


A presidenta Dilma Russef receberá, nesta segunda-feira (7/5), um documento técnico-jurídico que defende o veto ao Projeto de Lei que pretende alterar o Código Florestal por identificar inconstitucionalidades em todo o texto aprovado no Congresso. O estudo foi feito, a pedido do presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, pela Comissão de Direito Ambiental da Seccional.

"Entendo que o Projeto de Lei deva ser vetado em sua integralidade, como forma de demonstrar o compromisso do Brasil com a proteção ambiental brasileira às vésperas de uma conferencia mundial voltada sobre meio ambiente", afirmou.

No documento , a Seccional do Rio de Janeiro afirma ainda que o Projeto de Lei ignora as regras norteadoras do Direito Ambiental, apresentando descompasso com a conservação ambiental e a reparação dos danos efetivos bem como com os princípios de otimização das Leis (regras de conduta) que disciplinam o meio ambiente, afrontando, assim, a segurança jurídica e os acordos internacionais assumidos pelo Brasil.
Segundo o documento, o Projeto de Lei desconsidera as regras de proteção já consagradas pelo direito constitucional brasileiro e ignora o princípio da precaução. Além disso, viola regras de competência, pois a União, quando elabora Lei sobre florestas, somente pode legislar sobre as regras gerais. "O Projeto de Lei do Código Florestal desce aos detalhes, extrapola os limites da Constituição Federal, além de ignorar a autonomia dos entes da federação ao anistiar as multas aplicadas pelo Município ou pelo Estado.

Leia a nota técnica:

1 - A Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ), ora expõe os motivos pelos quais entende que a Exa. Sra. Presidenta da República, Dilma Roussef, deva vetar o Projeto de Lei que pretende alterar o Código Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional.

2 - A considerar a importância da matéria no contexto nacional e internacional, e ainda a considerar o cenário no qual se decide o destino de ecossistemas, da economia, e da qualidade de vida, qual seja, a Rio+20, e que o Projeto de Lei foi encaminhado para a Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Rousseff, que tem a faculdade de sancionar ou vetar o texto, revela-se imprescindível a celeridade e a máxima objetividade em nossa manifestação, motivo pelo qual entendemos por direcionar nossa análise de forma a apontar os temas que se mostram mais ressaltantes, e que consistem na veia principal das razões de veto, quais sejam:
Desconsideração da variável ambiental.

Competência: Excesso no exercício da competência para legislar sobre o tema e violação da autonomia dos entes da Federação.

Conteúdo do Projeto de Lei no contexto do ordenamento jurídico ambiental vigente: quebra das garantidas da isonomia, da segurança e estabilidade nas relações e ruptura com o sistema jurídico que disciplina a matéria ambiental.

3 - É de se sublinhar que os itens acima relacionados indicam vícios contidos no PL, que por sua própria natureza esvaziam o avanço em demais discussões, sendo extravagante digredir acerca de todos os dispositivos contidos no PL, o que ocuparia desnecessariamente, a já sobrecarregada agenda da Presidenta e de sua assessoria.

4 - Nessa linha, passamos a apresentar os motivos para um eventual veto.

Razões de veto
"O Direito do ambiente é constituído por um conjunto de regras jurídicas relativas à proteção da natureza e à luta contra as poluições.

(...) nosso ambiente está ameaçado, o Direito deve poder vir em seu socorro, imaginando sistemas de prevenção ou de reparação adaptados a uma melhor defesa contra as agressões da sociedade moderna. Então, o direito do ambiente, mais do que a descrição do Direito existente, é um Direito portador de uma mensagem, um Direito do futuro e da antecipação, graças ao qual o homem e a natureza encontrarão um relacionamento harmonioso e equilibrado". Michel Prieur

Desconsideração da variável ambiental
5 - É certo que a questão ambiental habita o imaginário e deve pautar os atos da sociedade civil, assim como os atos da sociedade política, em todo e quaisquer dos Poderes e entes da Federação. Também é certo que a promessa constitucional ao direito de propriedade, ao desenvolvimento econômico, à moradia, ao trabalho, ao direito ao uso dos bens ambientais não podem ser subtraídos do homem. A Constituição da República Federativa do Brasil nos orienta a conciliar direito de intervenção no meio ambiente e dever de proteger os ecossistemas para que as futuras gerações possam também acessar o meio ambiente, quer seja para o exercício das atividades econômicas, quer seja para a qualidade de vida. Para que haja sintonia entre uso e proteção, necessário se faz que o Estado exerça o controle pelo viés da variável ambiental nos processos decisórios de políticas de desenvolvimento. No PL do Código ‘Florestal’, nos parece que os dispositivos são jejunos de uma análise apropriada acerca da variável ambiental.

6 - Percebe-se flagrante deficiência na composição da Comissão Especial do Congresso que adotou o Substitutivo do Deputado Aldo Rebelo, a saber: ausência de suporte técnico de equipe multidisciplinar especializada; ausência de equilíbrio quantitativo entre ruralistas e ambientalistas; ausência da amplitude máxima na oitiva da sociedade plural. E foi nesta esteira que se desenvolveu o texto aprovado e encaminhado para a douta Presidenta da República.

7 - As regras contidas no PL legalizam supressões realizadas e emprestam indulgência à obrigação de recomposição. Demais disso, incentivam e autorizam novas supressões de vegetação, não sendo impróprio concluir que a essência do PL é o deplecionamento dos ecossistemas contidos nas áreas de Reserva Legal e na Área de Preservação Permanente.

8 - Vejamos algumas pretensões do PL do Código ‘Florestal’ que abarca significativo potencial lesivo:
a) Dispensa de manutenção da Reserva Legal para a pequena propriedade rural, aquela que tem até quatro módulos fiscais, desobrigando a reposição florestal para as hipóteses em que matéria prima seja utilizada para consumo próprio. Importa trazer à colação que esta permissão de uso da área de Reserva Legal, não se volta simplesmente para o pequeno agricultor, abrange também as grandes propriedades rurais que foram fatiadas no curso da tramitação do PL, visando o aproveitamento deste benefício que aparentemente aproveitará o modesto homem do campo.

b) Autoriza a exploração econômica da área de Reserva Legal, mesmo para propriedades acima de quatro módulos fiscais, através da criação do instituto uso alternativo do solo que abre caminhos para o fim da Reserva Legal. Vale lembrar que para a propriedade rural que tenha mais de quatro módulos ficais, a exploração fica condicionada à apresentação de Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS, mas as supressões para uso alternativo do solo não estão condicionadas à apresentação de Plano de Manejo.

c) Alteração do conceito e da finalidade da Reserva Legal. A Reserva Legal passaria a ter a destinação econômica como finalidade. Atualmente a destinação é a conservação e o manejo.

d) Cria a figura Área Rural Consolidada. O PL considera área rural consolidada, aquela que sofreu intervenção antrópica até 22/7/2008. A introdução deste conceito oportuniza que as ilegalidades cometidas em tais áreas possam ser anistiadas, o que se traduz na isenção do pagamento de multas e da obrigação de recomposição da vegetação na área da Reserva Legal e Área de Preservação Permanente desmatadas ilegalmente.

e) Risco de redução e descaracterização de Área de Preservação Permanente, em razão da inclusão destes espaços para efeito de contagem da área da Reserva Legal. A este respeito vale ressaltar que conforme o Código Florestal vigente, topos de morros, margens de rios, restingas, manguezais, nascentes, etc são consideradas Área de Preservação Permanente, recebendo proteção especial em razão dos serviços ambientais consistentes na manutenção da estabilidade geológica, na preservação dos recursos hídricos, do solo, da biodiversidade, da flora, da fauna, da paisagem, e em especial por assegurar o bem estar do homem. Em razão das características climáticas e geológicas destas áreas que compõem a APP (áreas com influências hídricas, ou situadas em altitudes mais elevadas), nela residem fauna e flora consideravelmente distintas daquelas encontradas nas florestas de Reserva Legal.

Quanto ao instituto Reserva Legal, o Código Florestal de 1965, designa a área necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos geológicos e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas, estabelecendo percentual a ser conservado, em cada região rural do Brasil.
9 - Importante salientar que o processo legislativo que resultou nas alterações acima anotadas, se deu de forma solteira de sustentáculo técnico, ou seja, sem o apoio de equipe técnica multidisciplinar, não se conhecendo a dimensão dos impactos negativos para o meio ambiente. É neste aspecto que oferece potencial lesivo e fere o
Princípio da Precaução.

Competência: excesso no exercício da competência para legislar sobre o tema e violação da autonomia dos entes da federação

10 - O Código Florestal de 1965 foi elaborado à luz da Constituição Federal de 1946, que outorgava competência plena para a União legislar sobre florestas. Ocorre que atualmente, sob o manto da Constituição Federal de 1988, outras são as regras de competência, o que significa dizer que qualquer que seja o Projeto de Lei que a União elabore sobre florestas, o exercício da competência do Poder Legislativo é limitado, sendo-lhe autorizado somente legislar sobre as regras gerais (leis-quadro, que traçam um plano, sem descer aos detalhes). Isto posto, tendo em vista que o PL do Código ‘Florestal’ desce aos detalhes, extrapolando os limites da Carta Magna.

11 - Demais disso, o PL não observa o regime federativo, ou seja, a autonomia dos entes da federação, ao anistiar as multas aplicadas pelo Município ou pelo Estado, no devido exercício do Poder de Polícia, e com base em Leis Municipais e Estaduais elaboradas no crivo do que a CRFB permite.

12 - Pelas razões acima expostas, que demonstram a natureza absolutamente violadora dos limites da competência, o PL não merece receber a sanção da Presidência da República.
Conteúdo do projeto de lei no contexto do ordenamento jurídico ambiental vigente: quebra das garantidas da isonomia, da segurança e da estabilidade nas relações e ruptura com o sistema jurídico que disciplina a matéria ambiental.

13 - O Projeto foi estruturado às margens das regras norteadoras do Direito Ambiental, notadamente apresentando descompasso com a conservação ambiental e a reparação dos danos efetivos, com o sistema da Precaução e os demais princípios de otimização das Leis (regras de conduta) que disciplinam o meio ambiente. Afronta, de forma infrene, a segurança jurídica e os acordos internacionais assumidos pelo Brasil, em especial quanto às ações para o combate às mudanças do clima e proteção da diversidade biológica.

14 - A proposta de anistia prestigia o tratamento desigual, ao guindar o infrator para um patamar mais vantajoso em relação aos que promoveram a manutenção e eventual recuperação das Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal. Esta alteração viria a homenagear a instabilidade nas relações e excluir a isonomia. A utilização do referencial módulo fiscal para identificar a pequena propriedade e dispensá-la da obrigação de manutenção de Reserva Legal traz insegurança face à variação da extensão da área de Município para Município, ferindo a isonomia.

15 - E as multas aplicadas com base em Leis municipais e estaduais? Ressalte-se, por oportuno, que Lei Federal não pode alterar as autuações realizadas com fundamento em Leis Estaduais ou Municipais. Como serão tratadas as Ações Judiciais em curso, nas quais sentenças já foram proferidas, e em fase de execução? Como fazer com os Termos de Ajustes de Conduta em fase de execução? Não restam dúvidas de que o PL quebra as garantias da isonomia, da segurança e da estabilidade nas relações.

16 - A matéria tratada no PL apresenta pontos de ruptura com o sistema jurídico que disciplina o meio ambiente. Em relação às regras vigentes relacionadas à conservação, o PL ofende, dentre outros textos:
a) CRFB, artigo 225, §4o, que trata a Floresta Amazônica brasileira como patrimônio nacional, condicionando o uso da floresta à observância de Lei que estabeleça condições que assegurem a preservação dos recursos naturais.

b) Lei do SNUC (Lei 9.985/2000), que estabelece a conservação de áreas nas quais se encontrem ecossistemas com atributos especiais.

c) Convenção da Diversidade Biológica. Resultante da ECO/1992, foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, o que na forma do artigo 84, VIII da CRFB, tem força de Lei Federal. Referenciado Diploma Internacional, obriga aos signatários (188 países) a conservar a biodiversidade; trata a biodiversidade como algo a ser conservado e não apenas explorado. Obriga aos signatários que elaborem, ou mantenha em vigor, a legislação necessária para a proteção de espécies e populações ameaçadas. Determina a elaboração e implementação de planos e estratégias de gestão voltadas para a recuperação e restauração de ecossistemas degradados.

17 - Quanto à ruptura com as regras vigentes relacionadas à infração e dano ambiental, o PL ofende, dentre outros textos:

a) CRFB, artigo 225, §3o, que disciplina a responsabilidade administrativa, civil e penal, para as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

b) Lei 6.938/1981, artigo 14 §1o, que no âmbito infra-constitucional, disciplina a responsabilidade civil objetiva para as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

c) Decreto 6.514/2008, que no âmbito infra-constitucional, disciplina as infrações administrativas, estabelecendo as sanções que devem ser aplicadas ao infrator.

18 - O PL ao pretender o perdão dos danos causados ao bioma contido nas áreas em comento, tenta corromper a promessa constitucional e legal do meio ambiente equilibrado, a promessa da reparação do dano. Entretanto, é de se sublinhar que o que deve prevalecer é a interpretação sistemática das leis e à luz, sempre, da Constituição Federal. Um novo Código Florestal deve ser interpretado na forma que a Constituição permitir. O diálogo das fontes deve ser realizado para efeito de se aplicar eventual novo Código Florestal. Nesse sentido o sistema infraconstitucional nos oferece regras relacionadas à conservação e à reparação, e a interpretação de eventual novo Código Florestal deve ser levada a efeito através do critério sistemático ao ordenamento legal vigente.

19 - Além das violações aos diplomas supra referenciados, o PL estrangula os Princípios do Direito Ambiental, conforme a seguir apontados:

a) Princípio da Participação: a proposta de alteração do Código Florestal deve passar pelo filtro de amplo debate com a sociedade civil, e pelo crivo da comunidade científica, a quem compete traduzir para o legislador, os critérios necessários para que a intervenção do homem ocorra de forma sustentável.

b) Princípio da Consideração da Variável Ambiental: o texto da lei deve propugnar para que a variável ambiental seja considerada no desenvolvimento econômico e social, preservando-se as características ambientais que importam utilidade para a sadia qualidade de vida, evitando-se o deplecionamento dos ecossistemas.

c) Princípio da Precaução: estabelece a prudência, o que, d.m.v. não se verifica no texto aprovado pelo Congresso Nacional. A exploração de áreas com biomas pouco mapeados e estudados implica na perda de diversidade biológica.

d) Princípio da Tolerabilidade: capacidade do ecossistema suportar as intervenções antrópicas.

CONCLUSÕES
20 - Não nos parece impróprio aventar que eventual promulgação do ato normativo, se torna temerário, sendo passível de aproximar da presente e das futuras gerações eventos relacionados, a mudança climática, assoreamento, e deplecionamento dos ecossistemas, estreitando assim caminhos para a insustentabilidade e a precárias condições de vida.

21 - Não obstante o exposto, ainda que o Projeto receba a sanção presidencial, merece ser salientado que não revoga o ordenamento jurídico, e como conseqüência, os conflitos advindos da vigência do diploma em comento, deflagrarão impactos no Poder Judiciário, em razão da judicialização de tais conflitos. Demais disso, as inconstitucionalidades serão levadas ao STF, no qual creditamos exarar entendimento pela inconstitucionalidade. Entretanto até que eventual inconstitucionalidade seja pronunciada, a máquina administrativa e judicial restará afogada pelos inúmeros processos, ora requerendo a aplicação dos privilégios advindos do Código ‘Florestal’, ora requerendo sejam levados a efeito as garantias consolidadas no ordenamento legal e constitucional ambiental. E, s.m.j., não é impróprio assinalar que a diferença que reside entre o veto total da Presidência da República e o pronunciamento do STF pela inconstitucionalidade do at o, é que uma das externalidades negativas da promulgação logrará por imprimir uma ferida nos cadernos do Rio+20.

Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB-RJ.

sábado, 12 de maio de 2012

OS PIORES PONTOS DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (PROJETO DE LEI Nº 1.876-E DE 1999)

Na análise da Sociedade Chauá, realizada por especialistas na área ambiental saiba o porquê da sociedade brasileira estar pedindo para que a Presidente Dilma vete integralmente o texto no novo código florestal aprovado no congresso.

Análise Técnica da Sociedade Chauá*
* Christopher T. Blum, Eng. Florestal, Msc., Doutor em Conservação da Natureza; Christiane Tigges, Médica, Analista Ambiental; André C. F. Sampaio, Eng. Florestal, Msc., Doutorando em Geografia.


12 de maio de 2012

Art. 3º inciso IV: define 22 de julho de 2008, como data limite para caracterização das áreas consolidadas que deveriam ser áreas de preservação permanente (APPs). Esta data se refere à nova versão da Lei de Crimes Ambientais (LCA), que já valia desde 12 de fevereiro de 1998. São 10 anos de ocupação ilegal, sabendo-se que estas áreas deveriam ter sido preservadas. Agora, ao invés de cobrar as sanções previstas na lei atual e exigir a restauração das APPs ocupadas, propõe-se o absurdo de legalizar estas ocupações. Além disso, para evitar transgressões ainda maiores, é obrigatório constar no texto a forma pela qual deverá ser comprovado o desmate e ocupação até a data definida, sendo imperativo um laudo técnico baseado na comparação entre fotografias aéreas e/ou imagens de satélite de diferentes datas.

Art. 3º inciso X alínea J: define exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável como atividades de baixo impacto. Tecnicamente o manejo florestal sustentável pode ser considerado como menos impactante, mas a exploração agroflorestal é bastante impactante, por favorecer erosão, assoreamento e contaminação dos rios, além de comprometer demasiadamente a estrutura da floresta. De qualquer forma, tendo em vista sua função ecológica, em APP não se pode permitir nenhuma das duas atividades. Na Reserva Legal (RL) o manejo florestal sustentável pode ser permitido.

Art. 3º inciso XI: trata da definição de pousio, que ocorre quando determinada área agrícola é deixada sem uso para que possa recuperar suas condições de solo, para uso futuro. Sem a declaração do início do pousio e sem um limite temporal, (por exemplo, 5 ou 8 anos), qualquer área abandonada em APP, inclusive com floresta no estágio inicial, poderá ser declarada como sendo de pousio e servir para qualquer propósito inclusive para exploração imobiliária, com corte da vegetação, pois o inciso IV deste mesmo artigo, admite áreas de pousio como sendo áreas consolidadas.

Art. 3º Parágrafo único: neste parágrafo se inclui QUALQUER imóvel de até 4 módulos na mesma categoria da pequena propriedade /posse da agricultura familiar (definição no inciso V). O diferencial do agricultor familiar é que sua subsistência depende essencialmente de sua propriedade, o que não acontece em todos imóveis de até 4 módulos, mesmo que desenvolvam atividades agropastoris. Com esta inclusão, proprietários de chácaras de lazer, especuladores imobiliários e grandes proprietários que tenham várias áreas de pequena dimensão passarão ter as mesmas condições especiais que os pequenos proprietários da agricultura familiar, aspecto claramente injusto e que demonstra os verdadeiros beneficiados com o novo código florestal. É importante ressaltar que a lei atual prevê condições especiais APENAS para o pequeno agricultor familiar.

Art. 4º inciso I: define o leito da calha regular do rio como parâmetro para a medição das APPs. Isso vai diminuir em muito, as áreas protegidas. Considerar a calha do leito maior é tecnicamente única possibilidade razoável, pois desta forma assegura-se a conservação da qualidade e quantidade de água disponível, além do controle de inundações, sendo estes pontos fundamentais para a segurança e qualidade de vida do ser humano.

Art. 4º § 3º: considera as várzeas como não sendo APP. Este dispositivo é inaceitável por legalizar o uso indiscriminado de ambientes úmidos extremamente frágeis. As várzeas ocorrem sobre solos hidromórficos e se constituem de nascentes difusas, permanecendo úmidas durante todo o ano ou boa parte deste; são fundamentais para a manutenção da água em qualidade e quantidade; sua vegetação higrófila absorve determinados metais pesados, além de fixar os gases de efeito estufa; são essenciais no controle das enchentes, desacelerando a velocidade da água, e auxiliam na reposição das águas subterrâneas, fundamentais para o estoque de água doce. A utilização de áreas de várzea pode ser admitida apenas para casos específicos, mas como regra geral estes ambientes devem permanecer como APP. A inclusão das veredas como APP como prevê o projeto de lei, reforça esta posição, uma vez que veredas e várzeas são apenas expressões florísticas distintas de uma mesma situação ambiental.

Art. 4º § 3º: considera os salgados e apicuns como não sendo área de preservação permanente. Este dispositivo é muito prejudicial por separar os salgados e apicuns do conceito de manguezal, considerando que são todos diferentes expressões de vegetação fluviomarinha. Retirar salgados e apicuns do conceito de APP significa reduzir significativamente a proteção dos berçários marinhos, com sérias repercussões para a produtividade pesqueira e a biodiversidade costeira.

Art. 4º § 6º: permite que em qualquer propriedade de até 15 módulos, em beiras de rios, lagos e lagoas, possam ser implantadas atividades de aquicultura e sua infraestrutura correspondente. Note-se que o artigo não se refere a atividades já consolidadas, ou seja, permite que permanentemente, áreas de preservação possam ser utilizadas para estas atividades. Não existe justificativa técnica para a escolha de propriedades com até 15 módulos. Este dispositivo abre possibilidade para o desmatamento indiscriminado de Mata Ciliar. A liberação deste tipo de intervenção deve ser avaliada dentro de um licenciamento específico.

Art. 7º § § 1º e 3º: dispõe sobre a supressão da vegetação em APP, obrigando a sua recomposição, mas em momento algum faz referência às sanções administrativas, civis e penais cabíveis, nem menciona a LCA.

Art. 8º § 2º: permite a ocupação de restingas e manguezais por população de baixa renda, se a função ecológica destas áreas estiver comprometida. É importante ressaltar que estas áreas são declaradas como sendo APPS no art. 4º incisos VI e VII e, assim sendo, devem ter sua função ecológica restaurada. São de importância fundamental para a manutenção da biodiversidade e proteção da costa contra marés de tempestade e furacões, não devendo haver ocupação humana, dados os riscos de vida e de prejuízo material. Este conteúdo é perverso, pois é só passar com um trator numa área destas e já se pode declarar que sua função está comprometida!

Art. 15: permite o cômputo de APPs no cálculo do percentual de Reserva Legal para qualquer imóvel, impondo condições insuficientes (incisos I, II e III). Não há restrição ao tamanho do imóvel, nem à extensão de APPs nele existentes, aspectos corretamente considerados na legislação atual. A abertura perniciosa dada nesta reformulação do código florestal vai gerar uma diminuição drástica de áreas protegidas, sem justificativa técnica.

Art. 18 § 4º: desobriga a averbação da RL em Cartório de Registro de Imóveis. Sabendo-se que infelizmente a corrupção e as manobras para benefício próprio são uma rotina consagrada no Brasil, a averbação em cartório é fundamental e obrigatória para a manutenção efetiva da Reserva Legal.

Art. 41 § 1º: prevê meios de incentivar atividades necessárias à regularização de imóveis rurais. No inciso II permite que quem desmatou ilegalmente antes de 2008, possa deduzir no Imposto de Renda, parte dos gastos despendidos na recomposição; no inciso III, permite o acesso a créditos dos fundos públicos para a recuperação e recomposição de APPs e RL. A escolha da data já é injustificável, e os privilégios concedidos são injustos com relação àqueles que preservaram ou recompuseram suas APPs e RLs e pagaram suas multas nos termos da lei atual. É privilégio e anistia para os infratores, mas quem cumpriu a lei não recebe benefício algum, e o povo ainda vai pagar a recomposição das APPs de infratores, inclusive de latifundiários!

Art. 42: prevê a conversão (isenção) de multas estipuladas pelo Decreto 6.514/2008, que correspondem a R$ 5.000,00 por hectare ou fração de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas destruídas ou danificadas, sem autorização ou licença (quando na Mata Atlântica, é acrescido o valor de R$ 500,00 por hectare). É importante ressaltar que este decreto teve como objetivo dar força à LCA de 12 de fevereiro de 1998, que veio sendo ignorada sistematicamente. É fácil compreender que os proprietários em situação ilegal logo se alertaram com o conteúdo deste decreto, motivando a escolha desta data para legalizar todas as infrações até então cometidas e se isentarem das multas! É um longo tempo de impunidade, onde todos sabiam que deveriam recompor e recuperar suas áreas e preservação, mas não o fizeram.

Art. 51: se refere à situação onde o órgão ambiental competente toma conhecimento de um desmatamento em desacordo com a lei, e tem como única obrigação, promover o embargo da ação e propiciar a regeneração da área degradada. Em nenhum momento se fala nas sanções cabíveis de acordo com a LCA.

Art. 54: se refere ao plantio de espécies exóticas em RL, mencionando que o benefício abrange apenas a propriedade de agricultor familiar, no entanto o art. 3º § único estende o tratamento dado ao agricultor familiar a qualquer propriedade de até 4 módulos com atividades agrossilvipastoris. Portanto, qualquer propriedade de até 4 módulos, independente do poder aquisitivo de seu proprietário, poderá usar espécies exóticas na RL. Este benefício deve ser concedido apenas para o agricultor familiar e, além disso, é necessário que conste a ressalva de que as espécies exóticas utilizadas não sejam invasoras, para impedir a degradação por contaminação biológica. Note-se que no art. 66 § 3º, o benefício do uso de exóticas na recomposição da RL, é dado também aos proprietários de áreas consolidadas. Ou seja, mais um prêmio para o infrator.

Art. 59 § 5º: se refere ao fato de que as multas (art. 42), serão convertidas em serviços de preservação e recuperação da qualidade do meio ambiente. Note-se que a manutenção de APP e RL é obrigatória, e que aqueles que não se preocuparam com isto são infratores. O cumprimento da exigência agora e a isenção das multas, é no mínimo totalmente injusta com aqueles que agiram de acordo com lei, considerando ainda que as áreas a serem recuperadas serão menores, conforme se verá mais adiante.

Art. 61: reitera a permissão da continuidade das atividades agrossilvipastoris, de turismo rural e de ecoturismo em APPs consolidadas, até julho de 2008. No § 4º se permite a manutenção destas atividades na beira dos rios com largura de até 10 metros, independente do tamanho da propriedade, obrigando a recomposição das faixas marginais em apenas 15 metros contados da calha do leito regular. Este conteúdo é dos mais perniciosos; note-se que a malha dos rios menores é imensa no Brasil, que estes rios e suas margens são ambientes ricos em biodiversidade; que estudos apontam que a faixa mínima de vegetação beira-rio para evitar a contaminação da água com insumos agrícolas é de 30 m; que o parâmetro da calha do leito regular é perverso por não proteger as planícies de inundação e legalizar a ocupação de áreas de risco, expondo as comunidades a prejuízos econômicos e risco de vida. Na prática, isto significa que as APPs de grande parte dos rios de até 10 metros serão de 15 m e não de 30 m, consolidando uma enorme diminuição das áreas a serem protegidas. Também deixa totalmente em aberto o que será feito nas margens dos rios acima de 10 m. Note-se ainda que quem ocupou estas áreas infringindo a lei vigente, terá isenção das sanções previstas na LCA, poderá ter deduções no IR, de recursos aplicados na recomposição e acesso a fundos públicos para recompor suas áreas de preservação, e além de tudo isso ainda poderá recompor apenas 50% da área prevista por lei e manter e lucrar com as atividades nos outros 50%; definitivamente se constitui em uma injúria. O § 5º prevê que a exigência da recomposição a que se refere o § 4º, não ultrapassará o limite da RL estabelecida para o respectivo imóvel, quando somadas as demais áreas de preservação permanente. A redação deste parágrafo é confusa, mas de qualquer forma não se vê justificativa para a vinculação desta recomposição já facilitada, com o restante das APPs. O § 6º obriga a recomposição de apenas 30 metros no entorno de nascentes, permitindo a manutenção das atividades agrossilvipastoris, de turismo rural e de ecoturismo nos 20 m restantes que deveriam ser também APP. Privilegiar a manutenção destas atividades, ao invés de priorizar a proteção dos recursos hídricos, é irresponsável. Sabe-se que a água é fundamental para a manutenção de qualquer atividade humana, inclusive para as atividades agrossilvipastoris. Portanto este dispositivo é injustificável e pernicioso, devendo ser mantidos os 50 m conforme a lei vigente para qualquer imóvel, antes ou depois de 22 de julho de 2008.

Art. 63: permite em áreas consolidadas, a manutenção de atividades florestais e de infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris em topos de morro, encostas acima de 45º de declividade, bordas de tabuleiros e áreas com altitude acima de 1800 m; o pastoreio extensivo também é permitido nas regiões de vegetação campestre das áreas acima mencionadas (§ 1º). No § 3º se permite atividades agrossilvipastoris em bordas de tabuleiros e chapadas. É preciso esclarecer que a pecuária extensiva, que muitas vezes é improdutiva, é um risco para estas regiões que são instáveis e frágeis, favorecendo a erosão. Já espécies lenhosas perenes como café e maçã, são menos impactantes e poderiam ser mantidas dentro de certos critérios e com acompanhamento de órgão ambiental competente, contemplando principalmente o pequeno agricultor. Mais uma vez a proposta de novo código florestal transforma exceções em regra, ameaçando a sustentabilidade ambiental do País.

Art. 67: permite que propriedades que detinham até 22 de julho de 2008, área de até 4 módulos fiscais, e que possuíam vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, passem a considerar como RL apenas a vegetação remanescente na propriedade. Novamente se legaliza diminuição de áreas protegidas, independente do poder aquisitivo do proprietário, além da insistência nesta data equivocada. A interpretação deste artigo leva a crer que um aglomerado de 10 árvores pode ser averbado como RL! É uma afronta ao art. 12 da própria Lei! Também é gerada insegurança jurídica, pois não se menciona qual o procedimento nas propriedades que não tenham nenhum remanescente de vegetação nativa. Esta flexibilização poderia ser concedida apenas para o pequeno produtor familiar, atrelado a dispositivos que valorizassem aqueles que respeitaram os limites mínimos do art. 12.

Estes são os pontos considerados mais perversos e de maior impacto. No entanto, na análise completa há muitos outros pontos negativos. Todos estes conteúdos irão contribuir com menor proteção ambiental, menor recomposição de áreas que deveriam ser de preservação, negligenciando os recursos hídricos e dando incentivos indiretos ao desmatamento e à destruição da vegetação. De modo geral pode-se dizer que o infrator ambiental é privilegiado com benefícios e abrandamento das regras, e que o agricultor familiar, simplesmente foi usado como desculpa para justificar esta reformulação tendenciosa que beneficia em muito, os grandes latifundiários. Reitera-se que a preocupação com o pequeno produtor é mais do que justa, e que os benefícios, com algumas ressalvas, contidos neste projeto devem sim, ser aplicados, mas somente a ele, pois sua subsistência está vinculada a sua propriedade, ao contrário dos proprietários de terra que não necessitam da propriedade para sobreviver. Ressalta-se ainda que a maior parte dos benefícios ao pequeno agricultor familiar constantes neste projeto de lei já estão contemplados na legislação atual.

O VETO TOTAL é imperativo porque há muitos conteúdos negativos, frequentemente vinculados entre si, fazendo com que o veto parcial seja ineficiente para garantir uma proteção eficaz dos recursos naturais necessários à sobrevivência e qualidade de vida do ser humano.

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