quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A falsa dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção agropecuária

Artigo que acabou de ser publicado na Revista Biota Neotropica pelos renomados cientistas brasileiros, Luiz Antonio Martinelli, Carlos Alfredo Joly e Carlos Afonso Nobre e Gerd Sparovek, da USP, UNICAMP e INPE mais uma vez oferecem base científica consistente para a manutenção da principal legislação ambiental brasileira, o Código Florestal. Contra os fracos argumentos defendidos por deputados federais vinculados a imensa bancada ruralista, financiada pelo agronegócio e suas corporações transnacionais, o artigo mostra através da análise de dados censitários sobre uso da terra no Brasil que a possível dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção de alimentos na realidade não existe.

Os autores demonstram que o Brasil já tem uma área desprovida de vegetação natural suficientemente grande para acomodar a expansão da produção agrícola. Demonstra também que a maior expansão se dá nas áreas ocupadas pelas chamadas culturas de exportação – soja e cana-de-açúcar – e não propriamente nas áreas ocupadas por arroz, feijão e mandioca, que são consumidos de forma direta pelo mercado nacional. Pelo contrário, a área colhida de arroz e feijão tem inclusive decrescido nas últimas décadas, enquanto a área colhida de mandioca encontra-se praticamente constante há quatro décadas. Os maiores entraves para a produção de alimentos no Brasil não se devem a restrições supostamente impostas pelo Código Florestal, mas, sim, à enorme desigualdade na distribuição de terras, a restrição de crédito agrícola ao agricultor que produz alimentos de consumo direto, a falta de assistência técnica que o ajude a aumentar a sua produtividade, a falta de investimentos em infraestrutura para armazenamento e escoamento da produção agrícola, a restrições de financiamento e priorização do desenvolvimento e tecnologia que permita um aumento expressivo na lotação de nossas pastagens.

LEIA NA ÍNTEGRA:

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O mito da sustentabilidade

O mito da sustentabilidade na exploração de recursos naturais no Brasil

Pesquisador da UFRJ revela que 75% das atividades sustentáveis sãomarcadas pelo esgotamento dos bens
João Campos - Da Secretaria de Comunicação da UnB

O uso sustentável dos recursos naturais no Brasil, amplamente divulgado por órgãos do governo e empresas privadas, é uma falácia. Estudo do pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernando Fernandez analisou 227 casos de exploração de bens renováveis – como a extração de madeira, a caça e o uso de plantas – no país. Em três quartos dos casos, a atividade que, por lei, deveria prezar pela sustentabilidade acaba marcada pelo esgotamento gradual dos recursos. A pesquisa do biólogo foi apresentada nesta terça-feira, 30 denovembro, na Faculdade de Tecnologia e no Instituto de Biologia da UnB.

O Relatório Brundtland, elaborado por especialistas em meio ambiente de diversos países em 1987, define o conceito de desenvolvimento sustentável como aquele “que procura satisfazer as necessidades das populações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”. O documento serviu de base para pesquisa de Fernando. O professor do Instituto de Ciência Biológicas (IB) Roberto Cavalcanti destaca que a vinda de Fernando chama a atenção para a falta de métodos para estabelecer parâmetros de sustentabilidade na exploraçãode recursos naturais.

Além da manutenção da quantidade original das espécies exploradas, o especialista destaca outras ferramentas como, por exemplo, níveis de segurança para o uso dos bens naturais e a definição de áreas específicas para exploração (sistema de mosaico). "É a falta de critérios e de vontade para estabelecê-los que leva ao uso inadequado do termo sustentabilidade". Os casos analisados pelo professor e sua equipe de colaboradores foram retirados de 64 dissertações e teses de diversas instituições de ensino superior do país e de relatórios de organizações não-governamentais (ONGs) no período entre 1987 e 2009. Segundo oespecialista, em 47 casos o fator “demográfico” do recurso sequer foi levado em consideração. “Entendemos que a reposição do bem explorado é a base para o uso sustentável. Por isso focamos os 180 casos que consideraram esse ponto”. As estatísticas apontam a caça como a atividade mais ameaçadora para sustentabilidade dos recursos. Dos 72 casos analisados, 62 – o equivalente a 86% – apresentaram o esgotamento dos animais explorados. “Esse desastre deve-se, principalmente, ao uso de armas de fogo pelas comunidades tradicionais (como os indígenas) e à falta de políticas públicas para manutenção dos recursos em Unidades de Conservação que permitem a exploração sustentável da natureza”, avalia Fernando.

O ranking do mito da sustentabilidade traz em segundo lugar a exploração madeireira. Dos 34 casos analisados, principalmente na região da Amazônia, 29, equivalente a 85% não são sustentáveis. “O termo sustentabilidade é uma palavra perigosa e vem sendo usado de forma equivocada”, alerta o convidado do Departamento de Engenharia Florestal. “Como classificar de sustentável atividades amplamente marcadas pelo esgotamento dos recursos explorados?”, questiona Fernandez.

CASTANHA-DO-PARÁ – Fernandez, que também é doutor em Ecologia pelaUniversidade de Durham, na Inglaterra, cita o exemplo da exploração dacastanha-do-pará no Brasil. “A análise em 22 localidades da Amazôniaaponta que não há exemplares jovens para repor as árvores exploradasatualmente”, afirma o pesquisador, com base em estudo realizado pelobiólogo Carlos Peres. A presença de árvores jovens em áreas nãoexploradas chega aos 76%. Já em áreas afetadas pelo homem, não passados 1,6%.

Outro exemplo é a extração madeireira de baixo impacto na Fazenda Rio Capim, no município de Paragominas (PA). A análise em nove áreas de um hectare revelou que apenas metade do estoque explorado poderia ser reposto em um período de 30 anos (ciclo permitido por lei para a retirada de árvores). “O mesmo estudo mostra que áreas de clareiras abertas na mata triplicam após a exploração do recurso”, observa Fernando, que conta com o apoio da Fundação O Boticário para realizar a pesquisa.

CIÊNCIA – O especialista carioca ressalta que a sustentabilidade é uma questão técnico-científica. No entanto, denuncia que a ciência só entra na busca pelo desenvolvimento sustentável depois da exploraçãodos recursos, ou seja, quando o pior já ocorreu. Segundo ele, para reverter esse quadro é preciso incluir a ciência no processo antes da exploração do recurso. “A sustentabilidade, hoje apresentada de forma enganosa, é possível. Mas é preciso criar mecanismos para que ela ocorra”.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Código do desflorestamento

A mensagem do novo CFB, generoso em anistia para desmatadores, parece clara: não é necessário cumprir a lei, basta aguardar até ela ser mudada e todos os passivos ambientais serem perdoados

Artigo de Jean Paul Metzger e Thomas M. Lewinsohn

O Brasil conquistou reconhecimento internacional pela consolidação de sua economia e por seu extraordinário patrimônio ambiental, podendo se tornar um exemplo de desenvolvimento aliado à conservação. No discurso, ninguém discordaria que esse é o caminho ideal para o País. As divergências surgem na hora de implementar um efetivo desenvolvimento sustentável. A proposta de um novo Código Florestal Brasileiro (CFB), apresentada pelo deputado Aldo Rebelo, opta pelo caminho contrário, pois as alterações propostas sinalizam que o desenvolvimento só é possível à custa do ambiente.

A nova proposta do CFB descaracteriza as Áreas de Preservação Permanente (APP), reduzindo a proteção ao longo dos rios e corpos d’água, além de excluir as restingas, topos de morro e várzeas. Isso provocará especulação imobiliária ainda maior nas poucas restingas que restam no litoral brasileiro; reduzirá a reposição e os estoques de água no lençol freático e, progressivamente, a capacidade de irrigação das culturas. A ocupação legalizada de áreas alagadas somente agravará as tragédias que já ocorrem nesses locais, pois as enchentes afetarão cada vez mais as populações que as ocupam.

O novo CFB praticamente extingue as Reservas Legais (RL), ao liberar 90% das propriedades rurais de sua conservação. Para as demais, flexibiliza o uso e oferece muitas vias para reduzir efetivamente as áreas que deveriam ser destinadas à proteção ambiental. Se aprovado o novo código, as APP serão incluídas no cômputo das áreas de RL. Pior do que isso, as Reservas Legais poderão ser “recuperadas” com plantações de espécies exóticas (sem fixar nenhuma proporção mínima de preservação ou recomposição de vegetação nativa), e a exploração econômica dessas áreas será feita conforme parâmetros estabelecidos por cada Estado ou município. Dessa forma, as RL deixam de ser reservas de serviços ecossistêmicos e de proteção ambiental para se travestir em plantios voltados para a exploração madeireira.

O efeito de tais mudanças será a ampla legalização do desmatamento, após uma curta moratória de 5 anos. As estimativas preliminares são de que 70 milhões de hectares serão desmatados, e outros 40 milhões de hectares de RL deixarão de ser recuperados, o que levará a uma emissão de pelo menos 25 a 31 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa – inviabilizando a meta assumida pelo Brasil em Copenhague de reduzir suas emissões em 39% até 2020. Ademais, uma estimativa simples, baseada na relação entre o número de espécies e a área perdida, projeta a extinção de mais de 100 mil espécies. Não há precedente histórico recente de autorização legal para um extermínio biológico nessa escala.

A implementação desse novo CFB é operacionalmente inviável ao transferir a Estados e municípios decisões críticas sobre a redução da área das RL e das APP ao longo dos rios e a aprovação de planos de exploração madeireira nas RL, entre outros. Decisões vitais como essas estarão sujeitas a pressões econômicas e acertos políticos locais. Além disso, a maior parte dos municípios não tem órgão ambiental, e muitos Estados não contam com pessoal capacitado nem com dados geoambientais organizados para enfrentar a enxurrada de pedidos de alteração ou adequação a que serão submetidos, caso o CFB seja sancionado.

É evidente que a proposta do relator Aldo Rebelo peca pela falta de embasamento científico. O deputado e seus apoiadores tentam reduzir toda a discussão em torno desse projeto a um caricato embate entre ruralistas e ambientalistas. A ciência de que se arvoram provém de poucos cientistas e algumas citações fora de contexto, ambos escolhidos a dedo. Com isso, exclui-se uma ampla parcela da comunidade científica das discussões. Nenhuma sociedade científica de ecologia, zoologia, ou botânica foi oficialmente contatada, apesar de serem essas as sociedades que mais entendem de ecossistemas e biodiversidade, o que obviamente é relevante para a revisão da legislação ambiental brasileira. O Brasil é hoje respeitado internacionalmente na pesquisa científica da biodiversidade e conservação, formando anualmente mais de 150 doutores e 450 mestres em seus 35 programas de pós-graduação em ecologia. De que adianta o investimento público na formação de cientistas especializados e de uma extensa infraestrutura de pesquisa, se o conhecimento relevante é marginalizado do processo decisório?

Por fim, preocupa a proposta de total anistia para aqueles que ocuparam ou desmataram de forma irregular até 22 julho de 2008 – ou seja, aqueles que infringiram o Código Florestal durante 43 anos. A mensagem parece clara: não é necessário cumprir a lei, basta aguardar até ela ser mudada e todos os passivos ambientais serem perdoados. Seguindo essa conduta, não haverá razão para respeitar esse novo CFB. Outro deputado proporá uma nova modificação daqui a 40 anos, quando, pelo que hoje se propõe, não restará mesmo muito mais o que conservar.

* Jean Paul Metzger é professor do Instituto de Biociências da USP; Thomas M. Lewinsohn é professor da Unicamp e presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 21/06/2010

As florestas e o futuro do planeta

Nesta época do ano, em várias regiões do Brasil, multiplicam-se as queimadas. Os jornais falam em milhares de focos de incêndio que devastam florestas, campos e cerrados. A maioria destes focos é provocada por proprietários rurais. Tanto o governo como grupos ecológicos têm dificuldade de impedir este crime ambiental. O quadro se agrava mais agora, quando o Congresso Nacional discute e vota um novo Código Florestal.

Para compreender melhor o conteúdo e as consequências de tal lei para as florestas brasileiras, basta perceber quem o defende e quem o ataca. Apesar de proposto por um deputado que se diz socialista, o novo Código está sendo defendido pela bancada rural do Congresso e por grandes latifundiários. Contra ele estão o Ministério do Meio Ambiente, todas as entidades que trabalham com a defesa da natureza, as organizações de trabalhadores rurais e os povos indígenas.


Só por isso, já é possível alguém saber que posição deve tomar a respeito deste assunto. Entretanto, alguns dados publicados pelo sociólogo Rafael Cruz ainda nos alertam mais: “A proposta de revisão do Código Florestal abre margem para novos desmatamentos, na ordem de 85 bilhões de hectares de terra, uma área maior do que a dos Estados de São Paulo e Minas Gerais juntos” (Cf. Le Monde Diplomatique Brasil, julho 2010, p. 20).

Muita gente lamenta as inundações ocorridas no início do ano em Santa Catarina e São Paulo e o verdadeiro tsunami fluvial provocado pelas chuvas, que há um mês devastaram várias cidades de Alagoas e Pernambuco. Entretanto, poucos ligam estes fatos com a destruição das florestas e a degradação do ambiente. Conforme os órgãos internacionais da ONU, o Brasil é o quarto maior poluidor do clima no mundo e o é por causa das queimadas.

A ONU adverte que a destruição das florestas brasileiras é responsável por 75% das emissões de gases estufa do País. O governo brasileiro assumiu compromissos internacionais de conseguir, até 2020, reduzir a emissão de CO2 em até 38, 9 % e diminuir em 80% o desmatamento da Amazônia. Ora, quem estuda o assunto sabe que já foram derrubados 73 milhões de hectares de floresta amazônica, dos quais, segundo dados do governo, 80% são ocupados com criação de gado. Da imensa Mata Atlântica que se espalhava por toda a região próxima do litoral brasileiro, restam apenas 7%. E o Cerrado que se estende por vários Estados e no qual nascem quase todas as grandes bacias hidrográficas do Brasil é o mais ameaçado de todos os biomas.

“O novo Código Florestal está sendo chamado de “a lei da motosserra”. Parte da premissa de que as preocupações ecológicas não são importantes e que a concentração da propriedade rural brasileira deve ainda aumentar. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE, com dados de 2006, o Brasil tem 5, 2 milhões de estabelecimentos rurais. Destes, 84% são de agricultura familiar. São 4, 4 milhões de pequenas propriedades que, juntas, ocupam apenas 24% da área agrícola

brasileira, ou seja, um total de 80 milhões de hectares, e abrigam 74% dos trabalhadores no campo.

Enquanto isso, 16% de grandes propriedades rurais ocupam 86% das terras agrícolas brasileiras. É um total de 250 milhões de hectares, área equivalente às regiões Sudeste e Nordeste do Brasil, juntas. O tamanho médio destas propriedades é de 300 hectares, enquanto o agricultor que, de fato, abastece a maioria de nossas feiras livres é de 7 hectares. Como os ruralistas acham pouco essa escandalosa concentração de terra, querem mais. Com a anuência da Comissão do Congresso que quase só escutou proprietários rurais e com o descaso das pessoas desinformadas, pretendem tomar mais espaço de nossas reservas florestais e de áreas de proteção ambiental” (Cf. Le Monde Diplomatique Brasil, idem, p. 21).

O Mahatma Gandhi já dizia que a terra, com suas florestas e suas áreas verdes preservadas, é suficientemente grande e maternal para alimentar toda a humanidade, mas nunca bastará para saciar a ambição da pequena porção de seres humanos que faz do lucro e da ganância a sua divindade. A quem é cristão, o Evangelho adverte: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24).

Marcelo Barros é Monge beneditino e escritor

Artigo originalmente publicado no O Popular, GO.

EcoDebate, 05/08/2010

Modificações do Código Florestal para benefício dos latifundiários

Artigo de Luiz Zarref, Engenheiro Florestal, Via Campesina e Articulçao Nacional de Agroecologia, e-mail: zarref@gmail.com

Apesar da grande campanha ideológica das elites brasileiras em busca de apresentar o agronegócio como uma agricultura moderna, as contradições deste modelo de produção agrícola são difíceis de esconder. Em pleno século XXI seu modelo produtivo continua igual à época da invasão portuguesa, baseado no latifúndio, em sua maioria fruto de grilagem e expulsão de quilombolas, indígenas e camponeses; no trabalho escravo ou extremamente degradante; na devastação das florestas e do solo, na utilização desenfreada de agrotóxicos (o Brasil se tornou há dois anos o maior consumidor de agrotóxicos do mundo); e no acesso a gigantescos créditos governamentais, sempre seguido de calote das dívidas.

Esse modelo produtivo é, portanto, adversário e totalmente incompatível com a justiça social e com a sustentabilidade ambiental. Por isso, os representantes da elite agrária brasileira buscam, de todas as formas, destruir tudo e todos que impeçam sua acumulação desenfreada de capital. É por isso que, desde 2009, a bancada ruralista (deputados e senadores latifundiários que estão no congresso nacional) elegeu como uma de suas prioridades acabar com a legislação ambiental brasileira, tendo como primeiro alvo o Código Florestal Brasileiro.

O Código Florestal Brasileiro surgiu em 1934, com o objetivo de garantir a preservação das florestas, que estavam ameaçadas pelo avanço da monocultura de café e de cana, e pela utilização de lenha, que durante toda a metade do século passado foi a principal fonte de energia do país. Em 1965 ele foi reelaborado, criando então a lei que é válida até hoje.

Apesar de antiga, a lei de 1965 é muito inovadora. Primeiramente, define as florestas como bem de interesse público, de toda a sociedade brasileira. Também define como uso nocivo da propriedade o não cumprimento da própria lei, o que podemos considerar como o início da definição da função socioambiental da propriedade.

É o Código Florestal que define como de proteção permanente as áreas na beira dos rios, nas encostas muito acentuadas e nos topos de morro. As APPs, como essas áreas são chamadas, não podem ter exploração de madeira, mas podem ser usadas para produção de mel, artesanatos, coleta de frutos e outras atividades de baixo impacto. Podem, também, ser recuperadas com sistemas agroflorestais, no caso da agricultura camponesa.

Outro pilar central do Código Florestal é a Reserva Legal (RL), uma lei única entre os países capitalistas. Segundo ela, toda propriedade rural deve ter uma parcela destinada para o uso sustentável, garantindo assim o interesse da sociedade brasileira acima do interesse de propriedade do indivíduo. Nessas áreas é permitido o manejo florestal, inclusive com a extração de madeira.

Em um estudo mais aprofundando do Código, se observará, portanto, que ele tem sua preocupação com a conservação da biodiversidade, dos recursos hídrico, do solo, mas compreende que esta preservação deve ser feita a partir da relação entre seres humanos e meio ambiente. Ou seja, as áreas criadas pelo Código Florestal devem ser utilizadas, mas de forma sustentável, gerando uma grande diversidade de produtos (ervas medicinais, sementes, frutos, óleos, madeira, raízes, castanhas e grãos).

E é justamente por ter como orientação essa exploração diversificada que essas áreas são indesejadas pelos ruralistas. O agronegócio não consegue produzir alimentos, não consegue produzir de forma diversificada, como fazem os camponeses. O modo de produzir do agronegócio é baseado na monocultura, nas máquinas pesadas e no uso descontrolado de agrotóxicos. Para os ruralistas, as APPs e as RLs são áreas improdutivas, empecilhos para o avanço de seu modelo devastador. Para a agricultura camponesa, essas áreas são fundamentais para a soberania alimentar, energética, hídrica, sustentabilidade do ambiente local e para a geração de renda diversificada.

Com a determinação de acabar com os pilares do código florestal, a bancada ruralista criou uma comissão na Câmara dos Deputados exclusivamente para criar uma nova lei, a qual deveria defender seus interesses. A redação do novo Código Florestal ficou a cargo do deputado Aldo Rebello, do PC do B de São Paulo. Apesar de seu histórico de relação com as forças progressistas brasileiras, o deputado construiu um texto que atendeu a boa parte das reivindicações ruralistas.

A primeira questão abordada pela proposta atual é a total anistia das multas aplicadas por desmatamento. Estima-se que estas multas totalizem, hoje, cerca de 10 bilhões de reais. É o reconhecimento pelo Estado brasileiro de que o crime compensa, no caso dos latifundiários.

Outro questão importante é a ampliação do desmatamento que ocorrerá graças às permissões do novo código. Primeiramente, o texto do deputado Aldo Rebello retira o topo de morro das APPs, áreas que são fundamentais para o abastecimento dos lençóis freáticos e que hoje possuem grandes fragmentos florestais, que agora poderão ser desmatados. Além disto, o texto garante o desmatamento para todos os pedidos protocolados até a data de início da lei. A própria Confederação Nacional da Agricultura (CNA), entidade de classe dos ruralistas, reconheceu que haverá uma ampla corrida para desmatar o máximo possível até o lançamento do novo código.

Esses dois pontos garantem um dos principais objetivos dos ruralistas: o fim da “função socioambiental da propriedade”. Com a anistia aos crimes ambientais e a liberação do desmatamento, nenhum latifúndio poderá ser desapropriado por crimes ambientais, tal como ocorreu recentemente com a fazenda Alegria, em Felizburgo, onde cinco militantes de nosso movimento foram assassinados pelo latifundiário Adriano Chafik.
Por fim, o texto do novo código permite que as propriedades com menos até 04 módulos fiscais não tenham reserva legal, com exceção de onde ainda existir mata nativa. Sabendo-se da importância da reserva legal na adubação e ciclagem de nutrientes, na irrigação natural dos solos, no abrigo de predadores naturais das pragas agrícolas e na preservação do solo contra erosões, esse é um presente de grego. Em cerca de uma década muitas unidades produtivas camponesas poderão estar com a fertilidade de seus solos inviabilizada, obrigando as famílias a se mudarem para as cidades ou acabarem como trabalhadores rurais em latifúndios próximos.

Agora o projeto do deputado Aldo Rebello vai para o plenário da Câmara dos Deputados, onde será colocado em votação para os 513 parlamentares. É o momento, portanto, de trabalharmos na conscientização de nossa classe camponesa, buscando demonstrar que não existem problemas graves com a lei, que está do nosso lado. O que existe é uma completa ausência do Estado na garantia de políticas públicas que viabilizem a recuperação das áreas degradadas, com sistemas agroflorestais, por exemplo, e que possibilitem o manejo das áreas de mata nativa.

É tempo de fazermos lutas unificadas entre os movimentos camponeses, juntamente com outras entidades que defendem o meio ambiente e a produção de alimentos saudáveis. É fundamental fazer o debate com a sociedade, deixando claro que o agronegócio não consegue conviver com as florestas, com a diversidade, com a produção de alimentos. E que a agricultura camponesa, os povos indígenas, quilombolas e pescadores são os responsáveis pela produção de alimentos e conservação dos remanescentes florestais que ainda existem.

Artigo de Luiz Zarref, Engenheiro Florestal, Via Campesina e Articulçao Nacional de Agroecologia, e-mail: zarref{at}gmail.com

Artigo socializado no Boletim número 157 do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais

EcoDebate, 03/09/2010

sábado, 9 de outubro de 2010

Ruralistas Perdem Votos

Nathalia Clark
08 Out 2010, 15:17

Votação do relatório de Aldo Rebelo de alteração do Código Florestal: muito ruralista levantou a mão naquele dia (foto: Agência Brasil). Brasília - A “onda verde” de Marina Silva não foi suficiente para vencer as eleições à Presidência da República, mas no Congresso, o maior envolvimento da sociedade com a questão ambiental acabou
penalizando alguns parlamentares.

Deputados identificados com o combate ao Código Florestal, legislação ambiental mais importante em termos de defesa e conservação dos ecossistemas no Brasil, defendendo, entre outras coisas, a anistia a desmatadores, enfraqueceram-se na disputa eleitoral.

A Frente Parlamentar da Agropecuária – mais conhecida como Bancada Ruralista, que defende os interesses do agronegócio e dos grandes produtores rurais – permaneu praticamente intacta. Mas pode-se notar “uma considerável erosão de votos”, como destacou Nilo D'Ávila, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.

Das principais lideranças que congregam a bancada, nomes como o de Aldo Rebelo (PCdoB/SP), relator do parecer sobre as alterações no Código, conseguiram se reeleger, mas sofreram queda em relação às eleições de 2006. Aldo perdeu cerca de 37 mil votos, enquanto que Duarte Nogueira (PSDB/SP) decaiu 45 mil votos, Luiz Carlos Heinze (PP/RS) 25 mil votos, Onyx Lorenzoni (DEM/RS) 28 mil votos e Abelardo Lupion (DEM/PR), 60 mil votos.

Além destes, Valdir Colatto (PMDB/SC), ex-presidente da Frente, apesar de ter obtido mais de 86 mil votos nas eleições do último domingo, não foi reeleito por conta do coeficiente eleitoral, ou seja, a proporcionalidade dos votos: o coeficiente obtido entre a soma dos votos do partido e da coligação, e o número de vagas disponíveis. Colatto, no entanto, configura como primeiro suplente.

Outras perdas de peso para os ruralistas foram Anselmo de Jesus (PT/RO), Germano Bonow (DEM/RS) e Gervásio Silva (DEM/SC), que não obtiveram novo mandato; e Ernandes Amorim (PTB/RO), que está em suspenso por conta da Lei da Ficha Limpa.

Ruralistas que entraram

Aldo Rebelo (PCdoB/SP)
Abelardo Lupion (DEM/PR)
Onyx Lorenzoni (DEM/RS)
Duarte Nogueira (PSDB/SP)
Carlos Melles (DEM/MG)
Homero Pereira (PR/MT)
Leonardo Vilela (PSDB/GO)
Luiz Carlos Heinze (PP/RS)
Marcos Montes (DEM/MG)
Moacir Micheletto (PMDB/PR)
Moreira Mendes (PPS/RO)
Odacir Zonta (PP/SC)
Paulo Piau (PMDB/MG)
Reinhold Stephanes (PMDB/PR)
Ronaldo Caiado (DEM/GO)
Blairo Maggi (PR/MT)

Ruralistas que saíram

Valdir Colatto (PMDB/SC)
Anselmo de Jesus (PT/RO)
Betinho Rosado (DEM/RS)
Gervásio Silva (DEM/SC)
Ernandes Amorim (PTB/RO)
Giovanni Queiroz (PDT/PA)
Germano Bonow (DEM/RS)

Ambientalistas que entraram

Rebeca Garcia (PP-AM)
Ivan Valente (PSOL-SP)
Rodrigo Rollemberg (PSB/DF)
Alfredo Sirkis (PV/RJ)
Leonardo Monteiro (PT/MG)
Dr. Rosinha (PT/PR)
Fernando Marroni (PT/RS)
Paulo Teixeira (PT/SP)
Ricardo Tripolli (PSDB/SP)


Bancada Ambientalista

Já do lado ambientalista, as perspectivas são alentadoras. Segundo D’Ávila, “tem sangue novo e motivado, como o Alfredo Sirkis (PV/RJ), que vem pelo Rio substituindo o Gabeira”. Mas, de acordo com ele, ainda temos que aguardar para ver a atuação desses novos nomes, “pois ser do PV não significa que vai ser ambientalista”, afirmou.

Para ele, alguns deputados, como o Dr. Rosinha (PT/PR) e o Ivan Valente (PSOL/SP) tiveram uma votação surpreendente. “E no caso do Ivan, só podemos computar isso a favor da defesa do Código Florestal”, declarou.

Dos nomes de maior destaque da Frente Ambientalista nas eleições, o deputado Dr. Rosinha teve um aumento de 69 mil votos, em 2006, para 93 mil votos em 2010; Fernando Marroni (PT/RS) cresceu de 70 para 87 mil; Ivan Valente ganhou significativos 105 mil votos a mais nesta eleição; e Rebecca Garcia (PP-AM) ganhou 65 mil novos votos.

Outros candidatos que se elegeram e que são possíveis contribuições à bancada são: o deputado Jorge Khoury (DEM/BA), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; e Luiz Carreira (DEM/BA). Também foram eleitos Rodrigo Rollemberg (PSB/DF), desta vez para o Senado; Leonardo Monteiro (PT/MG); Paulo Teixeira (PT/SP); e Ricardo Tripolli (PSDB/SP).

Um dos nomes que os ruralistas vêm defendendo como forte agregado, o de Blairo Maggi (PR/MT), ex-governador do Mato Grosso e senador eleito, não é uma ameaça do ponto de vista de Nilo D’Ávila.

“Não colocaria o Maggi na barca ruralista. Ele não é um ambientalista, mas acho que pode fazer a diferença no diálogo entre as duas frentes. Uma pena é que o PV não tenha conseguido transformar os votos que a Marina obteve em novos mandatos”, concluiu o ambientalista.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

NO DESTRUYAN MAGALLANES!

As corporações são pragas alienantes que por onde passam deixam um rastro de resíduos tóxicos irreparáveis, buscam insaciáveis pelas paisagens mais protegidas que sobraram como relíquias no planeta: seu objetivo: lucro, lucro lucro e destruição. Sugam a terra e os filhos da terra e quando estão saciadas lá se vão para outro recanto destruir novas culturas e elos de integração entre os seres humanos e a natureza. Combatê-las é a única maneira de tentar sobreviver neste mundo bizarro. Mineradoras querem destruir o sul do Chile, ninguém vai mostrar nada na TV... mostre você a todos que conhece.





Artigo da ‘Unesp Ciência’ aponta falhas do projeto de Código Florestal

Não há informações que assegurem fundamentação científica, diz revista.

Mais de 80 milhões de hectares no país estão irregulares pelo código atual.

Cientistas alegam que, ao tentar minimizar os problemas do agronegócio, a proposta acaba colocando em risco a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta

Cientistas alegam que, ao tentar minimizar os problemas do agronegócio, a proposta acaba colocando em risco a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta (Foto: The New York Times)

No mês que vem, quando o governo federal anunciar de quanto foi o desmatamento da Amazônia neste ano, é muito provável que ele mostre a menor taxa desde 1988, quando o dado começou a ser medido anualmente pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Uma vitória no caminho do compromisso assumido internacionalmente de reduzir o desmatamento para diminuir as emissões de gases de efeito estufa do país. Paralelamente, porém, é provável que o Congresso esteja votando um projeto de lei que substitui o atual Código Florestal – e que muitos pesquisadores e ambientalistas entendem ir na contramão desse compromisso, ao diminuir a proteção às florestas e permitir novos desmatamentos.

O Código Florestal vem sendo negligenciado pelos agricultores, por quem fiscaliza e também na pesquisa, praticamente desde que foi criado. Estamos correndo atrás do prejuízo, com pressa e sem o cuidado e rigor necessários ao processo de produção científica" Gerd Sparovek, da Esalq/USP.

O texto original, de 1965, que sofreu alterações em 1989 e em 2000, dispõe sobre as chamadas APPs (áreas de preservação permanente, como matas ciliares e topos de morro) e a Reserva Legal, ou RL (trechos de propriedades privadas que não podem ser desmatados – a porcentagem varia conforme o bioma). Bastante rigoroso, ele é também largamente desrespeitado, e mais de 80 milhões de hectares de terra no país estão em situação de não conformidade com o código. A proposta de substitutivo elaborada pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e já aprovada em comissão especial para votação em plenário, flexibiliza esses instrumentos de proteção com a justificativa, entre outras, de regularizar proprietários que infringiram a legislação vigente.

Esse projeto de lei vem sendo amplamente criticado por pesquisadores de diversas áreas diretamente relacionadas à matéria e não há informações que assegurem sua fundamentação científica, seja para as alterações previstas por seus dispositivos, seja como contraposição às objeções levantadas contra ele.

Cientistas alegam que, ao tentar minimizar os problemas do agronegócio, a proposta acaba colocando em risco a biodiversidade e os serviços ambientais prestados pela floresta. Quando questionado sobre o assunto, Aldo diz que ouviu, sim, pesquisadores, sem citar algum nome específico ou mostrar papers publicados. Certa vez, em uma coletiva de imprensa, deixou escapar de onde teria vindo sua consultoria científica: um assessor é biólogo. Mas a própria comunidade científica faz um mea-culpa. Apesar de não faltarem trabalhos que mostrem as consequências das supressões de vegetação nativa previstas, pesquisadores admitem que eles mesmos demoraram para se manifestar sobre a necessidade de modificar o código, inclusive para torná-lo mais efetivo.

“O problema da maior parte da pesquisa existente é ela não ser adequadamente direcionada (ou decodificada) para atender demandas vindas da legislação. Não acho correto os pesquisadores afirmarem que existe enorme quantidade de informação disponível se ela não foi, com a ajuda deles, convertida em algo que possa ser útil na discussão”, desabafa Gerd Sparovek, da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP. “O Código Florestal vem sendo negligenciado pelos agricultores, por quem fiscaliza, e também na pesquisa praticamente desde que ele foi criado. Estamos correndo atrás do prejuízo, com pressa e sem o cuidado e rigor necessários ao processo de produção científica, em muito, porque não demos a atenção devida ao problema no passado.”

É desse agrônomo o cálculo do tamanho do déficit de vegetação no país. De acordo com o Código Florestal, deveria haver em APPs 103 milhões de hectares (Mha) no país, mas só 59 Mha estão protegidos. Já em Reserva Legal, o déficit é de 43 Mha, diante de 254 Mha previstos. São terras que, pela legislação vigente, deveriam ser recuperadas. O substitutivo proposto por Rebelo exime dessa responsabilidade terrenos, desmatados até 22 de julho de 2008, que sejam considerados áreas rurais consolidadas (com edificações, benfeitorias e atividades agrossilvipastoris), para as quais deverão ser promulgados programas de regularização ambiental em até cinco anos a partir da publicação da lei.

“Não há justificativa nenhuma para isso”, critica o biólogo Carlos Joly, da Unicamp, e um dos coordenadores do programa Biota/Fapesp. “O código foi modificado em 1989, usou-se o avanço do conhecimento científico para aprimorar a versão original e não há por que agora dizer que quem descumpriu até 2008 está anistiado. Tem de exigir a restauração. Temos um conhecimento técnico para que isso aconteça. Tem um custo enorme? Bem, então vamos pensar em maneiras como isso pode ser financiado”, complementa.

Essa medida, acreditam pesquisadores ouvidos pela reportagem, pode incentivar novos desmatamentos – perderia o sentido respeitar as regras se no intervalo de alguns anos pode surgir uma nova lei e perdoar os passivos ambientais do passado.

Joly organizou em agosto um seminário na Fapesp com pesquisadores de várias áreas do conhecimento para discutir os principais impactos que a alteração do código pode trazer para fauna e flora e para os serviços que a floresta presta em termos de proteção dos recursos hídricos, polinização, dispersão de sementes, etc. São dados já conhecidos há tempos pela academia, mas que foram apresentados juntos (e serão compilados até o final do ano em uma edição da revista Biota Neotropica) para tentar estender a discussão e demover os congressistas da ideia de votar o projeto agora, logo depois das eleições.

“O fato de o código hoje ser tão desrespeitado mostra que de fato tem algo de errado com ele. Precisamos chegar a um consenso, mas para isso precisamos nos basear nas pesquisas. E há lacunas a serem preenchidas, como estudos que mostrem alternativas, que apontem exatamente o tamanho do custo [socioeconômico e ambiental] do desmatamento em relação à recuperação da mata e ao investimento de tecnologias na agropecuária, por exemplo. Mas a tônica é evitar uma votação imediata, porque faltam dados para tomar uma decisão”, defende o ecólogo Jean Paul Metzger, da USP.

Extinção em massa
Em carta publicada em 16 de julho na revista Science, ele, Joly e colegas alertaram que a modificação do código pode levar a um aumento “substancial” de emissões de gás carbônico e à extinção de pelo menos 100 mil espécies. Esse número considera uma eventual perda de 70 milhões de hectares na Amazônia em decorrência da diminuição da Reserva Legal. O projeto de lei prevê que “pequenas propriedades” com até quatro módulos fiscais – o que na região pode passar de 400 hectares – não precisam manter a área. Além disso, em algumas condições, permite que as APPs sejam incluídas no cômputo da RL do imóvel. E autoriza que a recuperação da reserva seja realizada com plantio intercalado de espécies nativas e exóticas, sendo que estas não podem exceder 50% da área total a ser recuperada.

Outra mudança que pode ter implicação direta sobre a biodiversidade é a redução de APPs dos atuais 30 metros para 15 metros nas margens de corpos d’água com menos de 5 metros de largura. “Isso representa mais de 80% dos rios brasileiros”, afirma Joly. Peixes e anfíbios serão os primeiros a sentir as mudanças, de acordo com uma dupla de pesquisadores da Unesp.

A bióloga Lilian Casatti, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce), do câmpus de São José do Rio Preto, que está compilando os trabalhos sobre o impacto na ictiofauna para a Biota Neotropica, lembra que a maioria das espécies de peixes de água doce do país vive nos pequenos riachos, dependendo assim da presença de matas ripárias. A supressão da floresta significa, por exemplo, uma maior incidência de sol na água, aumentando sua temperatura, o que leva a uma proliferação de algas e, por fim, à eutrofização da água, provocando a morte de peixes (veja quadro abaixo).

Ela comparou a situação de 95 riachos do noroeste do Estado, escolhidos aleatoriamente – metade estava totalmente desmatada nas margens e metade mantinha alguma preservação. “A diferença era visível. Onde não tinha mata, as espécies exóticas, mais tolerantes, dominavam, substituindo as espécies nativas especialistas.”

Os peixes maiores, de interesse para a pesca, também podem sentir o impacto da diminuição da mata ciliar. “Se as cabeceiras ficam desprotegidas, a parte mais larga, rio abaixo, vai acabar sofrendo com o assoreamento. Muitas espécies que colocam os ovos no fundo dos rios podem assim ter os filhotes soterrados. Além disso, se o leito está assoreado, o rio perde em volume e, sem as colunas d’água, grandes predadores, como tucunaré, dourado, jaú e pintado, vão perder área.”

Também nos menores riachos é onde ocorre a maioria das espécies de anfíbios, lembra Célio Haddad, da Unesp de Rio Claro, que colaborou com Felipe Toledo, da Unicamp, além de outros especialistas, para revisar a mudança do código sob o ponto de vista da conservação de anfíbios. Esses animais se reproduzem na água, mas usam as matas ciliares para abrigo e alimentação. A diminuição de APPs, assim como de Reserva Legal, pode promover redução e fragmentação de habitats, com consequências como endogamia (cruzamento entre parentes, levando à perda de diversidade genética), além de aumento da radiação, promovendo insolação direta sobre os ovos, larvas e girinos.

Para Haddad, além de não ser “ético o ser humano destruir outros organismos, eliminar espécies”, a perda de anfíbios, assim como pode ocorrer com os peixes, vai alterar o equilíbrio ecológico. Reduzir suas populações significaria ter uma proliferação de insetos, que podem ser praga da agricultura ou transmissores de doenças para o homem, além de diminuir a oferta de alimento para peixes, répteis, aves e mamíferos que predam anfíbios. “Deveríamos estar indo no outro caminho, de reconectar os fragmentos. A proposta vem na contramão de tudo o que a ciência está falando que é para fazer, não só por uma questão de bondade com os organismos, mas para o bem do ser humano”, afirma.

Quanto maior, melhor
Para a manutenção mais efetiva de algumas espécies de animais, aliás, os pesquisadores pedem uma revisão diferente do Código Florestal: que ele fique mais rigoroso. É a conclusão a que chegaram os pesquisadores Carlos Peres e Alex Lees, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, após analisarem populações de aves e mamíferos em 37 fragmentos florestais na região de Alta Floresta (MT), em 2005.

Com o apoio de imagens de satélites, eles definiram as condições de largura e estrutura mínimas necessárias para manter viáveis esses grupos e concluíram que a funcionalidade desses corredores é maior quando eles estão conectados a grandes manchas de matas. Os espaços mais estreitos (com menos de 200 metros de largura) e isolados – condição da maioria das matas que restaram no arco do desmatamento na Amazônia – apresentaram um terço das aves e um quarto dos mamíferos vistos nos fragmentos maiores e mais conectados.

“Qualquer extensão de mata em regiões já muito desmatadas, como grande parte do arco do desmatamento amazônico, cumpre um papel de importância altamente desproporcional na retenção da biodiversidade”, explica Peres. “A largura exigida pelo código vigente representa um mínimo necessário para que esses remanescentes continuem funcionando tanto como corredores ecológicos, amenizando a hostilidade de qualquer paisagem desmatada, quanto como habitat florestal para uma gama de espécies com níveis de especificidade diferenciados.”
Resultados semelhantes foram obtidos por Fernanda Michalski, do Instituto Procarnívoros e da Universidade Federal do Amapá, que estudou a eficiência dos corredores para carnívoros de médio porte na mesma região. Seu propósito era verificar que tipos de fragmentos estavam sendo habitados por esses animais, para analisar quão coerente é a nossa legislação em termos de conservação. Descobriu que o tamanho das matas ao longo de cursos d’água é, de longe, o principal determinante para a viabilidade de diversas espécies.

Durante os oito anos em que esteve no norte de Mato Grosso estudando a fragmentação na Amazônia, a pesquisadora não encontrou em áreas florestadas com cerca de 800 hectares animais como queixadas. Em fragmentos de 100 hectares, a probabilidade de ocorrência de onças-pintadas foi inferior a 40%.

Outro impacto importante é no chamado efeito de borda – a vegetação que fica, como o nome diz, na borda de um corredor ou fragmento é sempre mais afetada pelas perturbações externas, como luminosidade, ressecamento do ar e do solo, rajadas de ventos, queimadas, etc. De acordo com Metzger, em artigo publicado na revista Natureza e Conservação sobre as bases científicas do código atual, esses efeitos são mais intensos nos primeiros 100 metros de largura, “o que implica que corredores com menos de 200 metros são formados essencialmente por ambientes de borda, altamente perturbados”, escreve, citando Peres e Lees. Fernanda conta que notou, em trechos de 100 metros no Mato Grosso, “uma grande proporção de árvores mortas, especialmente de grande porte”.

Os autores sugerem que as APPs em torno de rios na Amazônia deveriam manter pelo menos 200 metros de área florestada de cada lado para que haja uma plena conservação da biodiversidade. “A manutenção de corredores de 60 m (30 m de cada lado do rio), conforme a legislação atual, resultaria na conservação de apenas 60% das espécies locais”, cita Metzger.

Serviços para o homem
Em setembro, Fernanda, Peres e o zoólogo Darren Norris, que é doutorando na Unesp de Rio Claro, frisaram em carta na Science que “as reformas poderão levar a perdas irreversíveis à biodiversidade”. Eles reafirmam que a redução dos corredores florestais significa que as paisagens vão perder a capacidade de reter e conectar espécies e de manter a qualidade e o fluxo de recursos hídricos. O empobrecimento do ambiente poderá ser sentido pelas erosões no solo e pela cada vez menor capacidade de captação de água, o que em si pode trazer consequências econômicas, como a desvalorização do preço da terra.

“Há uma relação direta com o funcionamento do ecossistema. A floresta não vai mais funcionar como deveria, não terá mais dispersor de semente nem polinizador. Com isso, tudo o que ela provia, como reduzir assoreamento de rios, diminuir a temperatura local, vai se perder”, complementa Mauro Galetti, da Unesp de Rio Claro e organizador de uma compilação de estudos sobre impactos nos mamíferos.

José Galizia Tundisi, do Instituto Internacional de Ecologia e um dos principais especialistas em recursos hídricos do país, concorda. “Os leigos, em geral, esquecem que a vegetação é parte do ciclo hidrológico. Sem ela, a água não consegue se infiltrar, diminui a capacidade de produção de vapor d’água que depois vai trazer chuva.” Segundo ele, o aspecto mais prático dessa história é que quando há uma vegetação protegendo os mananciais tem-se um custo de tratamento de água menor. “Em algumas áreas do interior de São Paulo onde o manancial está bem protegido, calculamos que o tratamento de mil metros cúbicos custa R$ 2. Quando não há vegetação, isso pode subir para R$ 300.”

Sem contar que o maior assoreamento dos rios pode tornar mais frequentes e intensas as inundações rio abaixo, afetando as populações ribeirinhas que moram ao longo do curso d’água. “Transfere-se o ônus da produção agrícola para a população mais carente de centros urbanos”, diz Joly.

Galetti complementa: “É comum a gente ouvir: ‘ah, para que proteger o mico-leão?’. O problema é que ninguém faz o papel do mico-leão. Ele dispersa no mínimo umas cem espécies de plantas, que não têm outros dispersores. Portanto, para ter uma mata ciliar rica, que proteja o rio, é preciso ter o mico-leão. É o papel ecológico de cada espécie no ecossistema”.

Ele cita como exemplo um problema que já se observou no sudoeste de São Paulo, onde foi extinto localmente o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) em razão da destruição das várzeas (essas áreas deixam de ser consideradas APPs pelo novo código) para construção de hidrelétricas. Em estudo realizado na área de inundação da usina Sérgio Motta, José Maurício Barbanti Duarte, da Unesp de Jaboticabal, e colegas estimaram uma redução populacional de 80% dois anos após o enchimento do reservatório. “O bicho tenta fugir para algum lugar, acaba indo para os pastos, onde estão os animais domésticos, levando doenças que não existiam ali”, explica Galetti.

A maior parte dos pesquisadores ouvidos na reportagem acredita que o prejuízo aos serviços ambientais pode acabar afetando a própria agricultura. Os danos diretos são erosão e diminuição da oferta de água.

Ao longo de dez anos Joly conduziu um projeto na região do rio Jacaré Pepira, em Brotas (SP), onde comparou o grau de erosão entre solos com mata ciliar bem preservada, com pastagem e sem nada. “No último caso, a perda de solo chegou a 15 toneladas/hectare/ano. Na área de pastagem esse valor cai para cerca de 700 kg/ano. Na mata ciliar, não chega a 500 gramas. Claro que ninguém vai deixar o solo nu o ano inteiro, mas, se em vez da pastagem, que é uma cobertura de certa forma homogênea e contínua do solo, tiver uma cultura com plantio intercalado e áreas de solo aberto no meio, aumenta tremendamente a erosão”, explica.

Tundisi recorda uma situação similar que ocorreu nos Estados Unidos na década de 1920, na região do Texas. “Ali havia uma grama que protegia as planícies, mantinha a umidade. O governo incentivou a produção de trigo no local. Por alguns anos, tiveram colheitas magníficas. A partir de 1930 o solo começou a se degradar. Sem a grama, ocorreu uma seca e perdeu-se toda uma região. Isso só começou a ser recomposto em 1938/1939, com as florestas plantadas pelo governo Roosevelt. É um exemplo bem claro do que pode acontecer aqui.” (Leia mais no Ponto Crítico, pág. 50.)

Questionado pela reportagem sobre quais estudos teriam fundamentado as mudanças no Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo não citou nomes de pesquisadores, nem publicações científicas. “Nos baseamos em estudos dos consultores da Câmara dos Deputados, engenheiros florestais, biólogos, e outros especialistas que ajudaram inclusive na redação da proposta”, disse. “Promovemos audiências no país inteiro, todos que quiseram se manifestar, o fizeram. Agora, não deu para ouvir pessoalmente esse ou aquele pesquisador. Há muitos pesquisadores.”

Ele disse que ouviu “especialmente a Embrapa”, e que um dos pontos mais polêmicos da proposta teria sido referendado pela área ambiental do governo. “A resolução de reduzirmos a mata ciliar nos córregos de 30 para 15 metros foi de acordo com o Ministério do Meio Ambiente”, disse. “Também nos baseamos em estudos de legislação comparada, já que não existe reserva legal em nenhum país do mundo.”

“Não foi bem isso”, rebateu João de Deus Medeiros, diretor de Florestas do ministério. “Tínhamos proposto que matas ripárias de rios com largura de até 10 metros tivessem 15 metros, em vez de 30 metros, exclusivamente nos casos de recomposição da vegetação.” Segundo ele, o MMA trabalha num texto alternativo ao do deputado, pois vários pontos são conflitantes com a política do governo federal. “Nossa proposta não pode ser interpretada como flexibilização. Todos os rios de até 10 metros precisam ter 30 metros de mata de cada lado. Não vamos permitir que se rea-lizem novos desmatamentos nas APPs.”

Após a reportagem ter reiterado a solicitação de avaliações científicas sobre as consequências ambientais da alteração da lei, o deputado disse que em vez de um corte científico, a reportagem teria um viés político. E, apesar de não ter indicado nenhum cientista favorável ao seu substitutivo, desafiou: “Quero ver se vocês só vão ouvir o grupo de pesquisadores que se opõem à proposta. Parece que sim. Então não é honesto de sua parte dizer que a reportagem será estritamente científica.”

Mesmo sem o deputado ter apontado pesquisadores e estudos favoráveis ao seu projeto, insistimos. Procuramos a Embrapa para responder à pergunta: é possível manter essa necessária proteção às florestas e ainda atender às demandas de um setor que tem forte apelo para a economia, ao representar quase 30% do PIB nacional?

A dúvida foi espalhada pelo setor ruralista do Congresso a partir de 2009, quando ganhou destaque um estudo feito por Evaristo Eduardo de Miranda, então chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, que sugeriu que faltaria terra para a expansão agrícola no país se fosse cumprida à risca a legislação ambiental, fundiária e indigenista. O trabalho, criticado por ambientalistas e pela academia, acabou não sendo endossado nem mesmo pela Embrapa.

Terra de sobra
“Não há problema, no momento, de falta de terra para expansão da agricultura e pecuária no Brasil”, afirma Celso Manzatto, chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente. “Mostramos nos últimos 20 anos que é possível ganhar produtividade sem precisar incorporar novas terras. Não significa, necessariamente, que vamos ter desmatamento zero. O que o país precisa, e ainda não dispõe, é de políticas de ordenamento do território que apontem claramente quais são as áreas a serem ocupadas para a produção agropecuária no futuro.”

Procurado pela reportagem, Miranda disse que sustenta seus dados: “Há um problema entre o uso efetivo da terra e o que fala a lei”. Mas afirma que não chegou a ser ouvido na formulação do substitutivo.

Já Gerd Sparovek, que fez um mapeamento semelhante de quanto do território deveria estar, ou já é, preservado, defende que não existe necessidade de revisar o código para permitir o desenvolvimento do setor agropecuário. Segundo ele, a agricultura tem espaço para se expandir sobre áreas de elevada e média aptidão agrícola que hoje são ocupadas pela pecuária extensiva (com 1,1 cabeça por hectare). Pelos seus cálculos, encontram-se nestas condições 61 Mha, dentre os 211 Mha ocupados pela pecuária. “Com isso é possível quase dobrar a área agrícola no país”, diz. Hoje a atividade se espalha por 67 Mha.

Para garantir esse espaço, seria necessário adotar técnicas de intensificação da pecuária e de integração com a agricultura, que, apesar de já estarem desenvolvidas do ponto de vista técnico, ainda são muito pouco adotadas. Sparovek acredita que a explicação para isso é complexa. “A falta de alternativas de desenvolvimento em outros setores, a ausência de remuneração da floresta em pé, a frouxa fiscalização, a valorização imobiliária de terras depois de desmatadas, a existência de mercado para produtos de desmatamento (carvão vegetal, madeira) e aspectos culturais do uso da terra como reserva patrimonial são, provavelmente, as razões para a contínua expansão da fronteira agrícola no Brasil através do desmatamento”, diz.

Por isso, ele acredita na necessidade de criação de um “gatilho que desencadeie uma nova forma de as coisas acontecerem”, que teria de vir no formato de uma lei ambiental sobre áreas privadas que tenha condições de ser cumprida. “Que seja adequadamente fiscalizada e restrinja de forma muito contundente a abertura ilegal de novas áreas bem como o desmatamento em situações em que ele não se justifica para o estabelecimento de uma agropecuária intensiva.”

Apesar de concordar que é possível crescer dessa forma, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, em São Paulo, e professor de Economia Rural da Unesp de Jaboticabal, vê a questão com ressalvas.

“Estou convencido de que a integração pecuária-lavoura é algo que vai revolucionar a agricultura do mundo inteiro. É um caminho formidável para ampliar a produção, mas a incorporação de tecnologia é um processo que depende de uma política de renda para o campo que o Brasil não tem ainda. Razão pela qual ampliar a fronteira talvez seja mais barato”, afirma.

“Penso que o crescimento da produtividade, tanto na pecuária quanto na agricultura e na integração das duas atividades, pode resolver o problema do desmatamento da Amazônia. Mas não sei se resolve o problema do Cerrado. Lá é muito barato abrir terra. Então há uma tendência de ampliar essa área”, complementa.

O problema, diz ele, é que o código atual está “desatualizado em função da realidade dos fatos”. “Não estou fazendo juízo de valor se está certo ou errado, mas estou dizendo como é a vida real, não como a gente sonha. Porque é muito mais difícil uma reforma no crédito rural e ter tecnologias que sejam mais sustentáveis entrando rapidamente do que ampliar a fronteira.”

Rodrigues afirma que a proposta de Rebelo “tem um mérito enorme de ninguém ter gostado dela”. Para ele, isso significa que ela é equilibrada. Mas criticou o artigo 47, que prevê moratória de cinco anos em que não será permitida a supressão de florestas para o estabelecimento de atividades agropastoris – excetuam-se imóveis que já tenham autorização de corte emitida.

“O agronegócio sente que o país perde uma oportunidade de crescer”, diz. “Tem de fazer uma lei que seja realista. Se fizer uma lei que estabeleça uma moratória para o desmatamento do Cerrado, mas ela não for acompanhada de instrumentos de política econômica para o campo que permitam o crescimento da tecnologia e o aumento da produção nas áreas já disponíveis, [o desmatamento] vai acontecer.”

Para Manzatto, o problema é que há uma de conflito em algumas regiões que estão na ilegalidade, em especial nos casos considerados de ocupação consolidada (como os arrozais em várzea no sul do país), e é preciso discutir essa ocupação. “E é evidente que tem também um componente social de recomposição dessas áreas que precisa ser dimensionado”, diz. Mas ele admite que nem a Embrapa tem condições de falar em quanto, por exemplo, poderiam ser alteradas as faixas de proteção no país. “Na verdade nós não temos os indicadores e até sugerimos uma moratória de pesquisas para que pudéssemos gerar dados um pouco mais técnicos e embasados para a discussão.”
Fonte:
http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2010/10/artigo-da-unesp-ciencia-aponta-falhas-do-projeto-de-codigo-florestal.html

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Perda de biodiversidade sem volta

14/9/2010


Por Fábio de Castro

Agência FAPESPSe for aprovada em sua forma atual, a revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, poderá levar a perdas irreversíveis na biodiversidade tropical, alertam cientistas em carta publicada na edição atual da revista Science.


Intitulada Perda de biodiversidade sem volta, a carta tem autoria de Fernanda Michalski, professora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá, Darren Norris, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.


Na carta, os pesquisadores apontam que as propriedades privadas correspondem a 39% do território brasileiro e representam um componente essencial para a conservação da biodiversidade florestal, à parte das áreas protegidas formalmente.


Mas os “interesses de curto prazo de poderosos grupos econômicos, influentes proprietários de terra e políticos, ao diluir o Código Florestal, ignoram o valor das florestas privadas para a conservação”, segundo eles.

De acordo com Fernanda, a manifestação é um complemento à carta publicada na Science no dia 16 de julho, por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP, com o título Legislação brasileira: retrocesso em velocidade máxima?. Segundo ela, o objetivo foi colocar em evidência a modificação do código relacionada à redução de área das Áreas de Proteção Permanente (APP).


“A Science abre espaço para que possamos reforçar comentários feitos em edições anteriores. Quisemos fazer isso para enfatizar um pouco mais o problema diretamente ligado à redução das áreas de APP, que está sendo levantado na proposta de reforma do Código Florestal”, disse à Agência FAPESP.


Professora do Departamento de Ecologia da Unesp até o fim do primeiro semestre de 2010, Fernanda concluiu seu doutorado em 2007, na Universidade de East Anglia, sob orientação de Peres, e realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da FAPESP.


“Parte do meu pós-doutorado correspondeu exatamente à avaliação do uso de áreas de APP por vertebrados de médio e grande porte. A partir dos dados obtidos nessa pesquisa achamos relevante destacar esse tópico no contexto da reforma do Código Florestal”, destacou.


A carta enviada em julho pelos pesquisadores do Biota-FAPESP apontava que as novas regras do Código Florestal reduziriam a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente e, a partir de simples análises da relação espécies-área, “é possível prever a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”, segundo eles.


O texto foi assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.


Efeito de borda

A carta publicada na edição atual da revista científica norte-americana afirma que a reforma da legislação irá “efetivamente condenar remanescentes florestais e a rebrota em terras privadas no maior país tropical da Terra”.


Segundo Fernanda, o texto reforça uma questão levantada na manifestação anterior, relacionada a um possível aumento do “efeito de borda” – uma alteração na estrutura, na composição ou na abundância de espécies na parte marginal de um fragmento florestal que acaba tendo impactos sobre a fauna e flora de toda a região.


“O efeito de borda se manifesta à medida que a permeabilidade da matriz aumenta e cria uma série de efeitos adversos para a flora e para a fauna. Mas, além disso, nossas pesquisas revelaram um outro dado importante que merecia ser destacado: quando a área de proteção é reduzida a menos de 50 metros de cada lado da APP, o resultado é um aumento considerável na mortalidade das árvores”, afirmou.


Os cientistas brasileiros alertam que, com as modificações propostas na legislação, a redução das áreas de proteção deverá provocar mudanças nas características da paisagem que reduzirão a capacidade da floresta para reter e conectar espécies, ou para manter a qualidade dos corpos d’água.


Segundo o texto, os proprietários rurais que cumprirem a nova legislação aumentarão a fragmentação da paisagem e reduzirão o valor das suas propriedades, por conta da erosão do solo e pela má regulação de captação de água nas bacias hidrográficas.


Mas ainda é possível ter esperança: “a comunidade científica e ambiental, as organizações não governamentais e o Ministério do Meio Ambiente ainda podem se conciliar com os defensores da reforma do Código Florestal”, ressaltam os autores.


“Para isso, será preciso melhorar a comunicação entre os segmentos da sociedade, desenvolvendo alternativas de gestão inteligente do uso do solo na matriz agropecuária existente e evitando, com isso, a expansão de novas fronteiras de desmatamento”, afirmam.


O artigo No Return from Biodiversity Loss (doi: 10.1126/science.329.5997.1282-a), de Fernanda Michalski, Darren Norris, and Carlos A. Peres, pode ser lido por assinantes da Science em:


www.sciencemag.org/cgi/content/full/329/5997/1282-a.